terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Blog

Às vezes fico pensando: será que Hemingway manteria um blog? Seria um blog da putada, pois o Velhão sempre teve o que dizer. Eis aí, talvez, a questão básica de se manter um blog: ter o que dizer. O blog nasceu como diário, e diário só é interessante para o autor, a menos que se trate de uma celebridade ou, pelo menos, de alguém que tenha informações interessantes. Contudo, é fundamental que o blogueiro tenha disciplina para alimentar seu blog, que, hoje, já não é mais mero diário. Veja-se o caso de jornalistas e intelectuais: aqueles, publicam nos seus blogs os excedentes das suas reportagens e do dia-a-dia nas redações e nas ruas; estes, fazem uma análise bastante útil do momento político do país. Voltemos aos escritores, que, aliás, utilizam blogs para divulgar seu trabalho, pois blog é uma mídia sob medida para isso.

Mas escritores terão tempo para cuidar de blog? Escritores chefes de família e endividados não encontram paz para escrever, exceto se são compulsivos, como Honoré de Balzac, por exemplo, que, mesmo fugindo dos cobradores, escrevia compulsivamente e ainda encontrava tempo para fornicar diariamente, às vezes várias vezes por dia, com várias mulheres. Mas o drama central é o da traição a si mesmo. Se um escritor não encontra paz para dormir como a encontrará para criar?

Ernest Hemingway devia ter 21 anos quando começou a trabalhar como correspondente na Europa, para um jornal do Canadá. Recém-casado, os dólares que ganhava davam para sustentar suas despesas em Paris, onde se baseou. Mas Hemingway queria ser escritor. Então, largou o jornal e passou a viver dos parcos rendimentos provenientes dos investimentos da sua esposa no mercado financeiro americano. Quantas vezes o autor de Paris é uma festa matou pombos com estilingue para saciar a fome! Mas, aos 26 anos de idade, ele escreveu algo revolucionário: O sol também se levanta. Então começou sua ascensão literária, até O velho e o mar e o Nobel.

De certa forma, até um blog pode atrapalhar a criação de um romance. Os romancistas sabem que uma história de longo fôlego requer tanta concentração quanto fornicar ao longo de 12 horas. Assim, um romance é como uma mulher que recebe atenção integral ao longo de toda uma noite. E escrever um romance pode durar anos.

Muitos escritores, pensando que trairão menos o artista que reside neles, ingressam no jornalismo, o que não é de todo mal, pois mantêm a rotina de lidar com as palavras todos os dias, além de aprenderem, como ocorreu a Hemingway, a se expressar de modo claro, direto, enxuto. Mas a utilidade do jornalismo para o escritor termina aí. Depois que ele aprende alguns truques que lhe serão úteis ao encarar um trabalho de criação é hora de cair fora das redações. É que, passando o dia a escrever notícias, o escritor acaba descarregando a bateria da criação. Grandes escritores sabem disso desde garotos.

Contudo, há escritores tão prolixos, tão compulsivos, tão torrenciais, como o era Norman Mailer, que se não escreverem o tempo todo, seja lá o que for, enlouquecerão. Há uma outra categoria de escritor: aqueles que mesmo sufocados pelo jornalismo são literalmente perseguidos pela literatura. São vítimas daquilo que Hemingway identificou como armadilha. Como não atinam para a hora de cair fora das redações, acabam se enredando e não sabem mais como sair sem perder o padrão de vida que proporcionam a suas famílias, ou mesmo não sabem como sobreviver de outra coisa, senão de jornalismo. Mesmo assim, não podem deixar de criar, pois personagens os perseguem em sonhos, em gritos que só eles ouvem, em visões que apenas eles veem. Só resta, então, dar o expediente no jornal, e sempre que a solidão permitir, se encontrar com Cara de Catarro, Galicíssimo, Agostinho Castro e Castro, os Picanço Cardoso, Boca de Sacola, Frênia, Lola, mulheres de olhos bicolores e sabor de Mateus Rosé...

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