sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O apanhador no campo de centeio

Dei uma parada no café da livraria Cultura, no segundo piso do Pátio Brasil, e pedi um expresso curto. O blend soube-me bem. Gosto da Cultura do Pátio Brasil, uma livraria grande e com imenso acervo. Exceto pela gritaria da música-ambiente é agradável lá. Tenho preferência pelas prateleiras de literatura estrangeira, para onde sempre me dirijo. Ao dobrar uma esquina estaquei ao vê-la. O corredor estava inundado de sol, manhã, rosas, Chanel, murmúrios. Meu dia mudou completamente. Era o início de uma tarde calorenta e dali eu iria para uma reunião de trabalho com meu sócio no portal Brasil CPLP, Marcelo Larroyed. Fora impregnar-me de ficção antes de mergulhar na realidade dos fatos.

Fiquei por ali. Avancei até a prateleira com os livros de Mario Vargas Llosa, mas como o corredor inundado de sol perdera-se de vista, retrocedi logo e parei nas prateleiras de literatura em língua portuguesa, de onde não perderia o corredor ensolarado. Na minha frente vi alguns exemplares de O Casulo Exposto, meu último livro, o que me deixa sempre mais alegre. Não sei quanto tempo demorei, mergulhado na inesperada manhã vespertina; apenas permaneci por ali o mais que pude. Ela devia ter uns onze anos, trajava um vestidinho de musselina e sua pele negra era alva como seda. Estava sozinha com as rosas na manhã ao sol, enquanto esperava seus pais, que, certamente, estavam por perto. Passei duas vezes bem junto dela. Lia O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger.

“Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer” - diz Holden Caulfield.

Todas as vezes que vejo uma criança lendo numa livraria lembro minha princesinha, minha filha. As livrarias sempre exerceram um poder mágico sobre nós dois. Às vezes, fantasio, só de farra, entrar numa livraria com um carrinho de supermercado e enchê-lo de livros, de todos os autores que amo e dos livros por quem me apaixonei e nunca os tive. Toda essa emoção aquela garotinha me proporcionou na sua manhã particular.

Eu também gostaria de ser um apanhador no campo de centeio. Aliás, é o que procuro ser. Fico na minha, e toda vez que é preciso impeço que alguém caia no precipício, e quase sempre apenas com um sorriso.

Falar em J. D. Salinger, Jerome David Salinger, o nova-iorquino autor do clássico O apanhador no campo de centeio, morreu de causas naturais no dia 27 de janeiro de 2010, aos 91 anos. Vivia isolado em sua casa, em Cornish, New Hampshire, Estados Unidos. Sempre fugiu da fama. O apanhador no campo de centeio foi publicado em 1951. Conta um fim-de-semana na vida do adolescente Holden Caulfield, de 16 anos, de uma família abastada de Nova York. Expulso do colégio interno onde estudava, Holden decide se aventurar pela cidade antes de voltar para casa e enfrentar seus pais.

O livro é uma espécie de marco. Antes dele, a sociedade não dava importância à adolescência, vista então como uma passagem entre a juventude e a vida adulta. O culto ao livro sofreu um abalo quando Mark David Chapman estourou a cabeça do Beatle John Lennon e afirmou que se inspirara em O Apanhador no campo de centeio. “Esse extraordinário livro tem muitas respostas” – disse Chapman.

A primeira vez que li O apanhador no campo de centeio foi em 1982, no café de uma livraria, em Niterói, bebendo Bohemia. O livro se tornou de cabeceira. Tudo o que Holden Caulfield queria era livrar as crianças do abismo pessoal dele, a adolescência. Mas Holden não recebeu a orientação certa para isso. Só obtemos capacidade de amar se recebermos a força necessária, e essa força é o amor, sincero, dos pais. Então, estaremos aptos para servir como apanhador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário