quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Cheiro de mulher nua

Estou sentado em um quiosque defronte ao Macapá Hotel,
Só, mas há muita luz e mulheres tão lindas que só as vemos em grandes aeroportos internacionais.
Estou só, mas o rio Amazonas, o maior do mundo, ruge como o mar em Copacabana, na maré cheia, e salpica meu rosto, escanhoado para esta noite.
Ouço merengue.
Estou aparentemente só, pois meu Pai enviou uma legião que me acompanha por todo o sempre, meus amigos logo chegarão e sinto o perfume das virgens ruivas.
Estou só com meu coração, relicário de pedras preciosas como acme da mulher amada e o choro dos jasmineiros nas noites tórridas da Linha Imaginária do Equador.
Estou só, mas estão comigo Belém, Manaus e Rio de Janeiro.
Minha solidão é como a dos pugilistas e dos escritores: quando começa o assalto, ninguém os pode socorrer e eles só contam com o talento, por isso nunca estão sós.
Nunca estou só, porque meu carisma é feito de pura luz
E minha lucidez é o Concerto para Piano e Orquestra, em ré Menor, de Mozart.
Estou só, mas o céu é tão azul que chove rosas colombianas vermelhas
E o ar é prenhe do cheiro de mulher nua.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré e a divisão do Pará

A Amazônia é a maior província biológica e mineral da Terra. É o trópico elevado ao quadrado. O cúmulo do realismo fantástico. Neste continente, onde o cadinho étnico e cultural brasileiro ferve, Belém do Pará é sua cidade mais importante (por diversas razões, que podem ser abordadas em outro artigo). E em Belém acontece a maior festa religiosa do planeta, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que faz 219 anos em 2011 e que tem seu momento culminante no segundo domingo de outubro, quando cerca de 2,2 milhões de romeiros seguem da Catedral à Basílica, numa procissão que se arrasta ao longo de 6 horas. O Círio Fluvial, na manhã do sábado que antecede a procissão, é outro espetáculo, com centenas de embarcações saindo da Vila Sorriso, Icoaraci, rumo ao porto de Belém.

Este ano, são esperados 73 mil turistas, principalmente dos Estados Unidos e França, que deverão gastar U$ 26 milhões, segundo cálculos da Companhia Paraense de Turismo (Paratur) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Como os paraenses gostam de pato no tucupi, na época do Círio importam toneladas da ave do Canadá, o maior produtor de pato do mundo. Entre inumeráveis paixões, os paraenses têm três irremediáveis: açaí, farinha de mandioca e o Círio. Mas não é o bastante para garantir que o território paraense siga incólume.
O Pará já foi Grão Pará, um país apartado do Brasil. A Província do Grão Pará abarcava toda a Amazônia Clássica. Hoje, o Grão Pará está dividido em Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Mesmo assim, o Pará atual é uma síntese da Amazônia, tão grande que será submetido a plebiscito, em dezembro, para se saber se será ou não dividido por três. É o segundo maior estado do país, atrás apenas do Amazonas, medindo 1.247.689,515 quilômetros quadrados, maior, por exemplo, do que Angola. Dividido em 144 municípios, é o mundo das águas, com alguns dos maiores rios do planeta, como Amazonas, Tapajós, Tocantins, Xingu, Jari e Pará, e o Atlântico. É o maior produtor de peixe, em quantidade e variedade, do país. É o mais rico e populoso estado (ou província?) da Região Norte, com 7.321.493 habitantes. O Congresso Nacional já aprovou o plebiscito que vai decidir pela criação dos estados de Carajás e Tapajós. Por que querem dividir esse colosso?
Por várias razões. A principal é que os governadores do Pará, todos eles, governam de costas para o interior. Até 1943, o Amapá pertencia ao Pará. Foi desmembrado e conseguiu algum desenvolvimento, embora esteja nas mãos das famílias Capiberibe e Sarney. Os Capiberibe são paraenses e os Sarney, que todos no Brasil conhecem como donos do Maranhão, resolveram expandir seus domínios e tomar conta também do Amapá. Deu certo, para os Sarney: os amapaenses garantiram a Zé Sarney emprego vitalício no Senado. Os Capiberibe e os Sarney não se cheiram, mas dividem fraternalmente o Amapá. Dá para todos. Voltemos ao Pará. É um dos maiores produtores de energia elétrica do país, mas nem metade dos seus municípios conta com energia elétrica firme. Na ilha do Marajó, por exemplo, que nem precisa de votação pela internet para ser uma das sete maravilhas do planeta, crianças são estupradas rotineiramente a troco de comida. É miséria só vista na ilha do carniceiro Fidel Castro.

Quanto a Santarém, há um século que uma elite santarena quer se separar do Pará. Eles já têm bandeira, hino, brasão, tudo. Em Carajás, há mais nordestinos, sulistas e nativos do Centro-Oeste, e certamente sudestinos, do que paraenses. Os belenenses não querem nem ouvir falar em separação.

Há quem diga que criar estados custa caro. Acho que é melhor investir na criação de novos estados do que cevar a máfia instalada em Brasília e os mamadores em Belém. Mas esse assunto é para paraense resolver. Sou apenas metade paraense - do Amapá.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O tempo do coração

Masaharu Taniguchi, no livro Mistérios da vida (Seicho-No-Ie do Brasil, São Paulo, 2003, 303 páginas), afirma que o tempo nada mais é que movimento. Ao declarar isso, o filósofo japonês confirma o que os artistas fazem desde sempre: viajar no tempo, por meio da mente. Woody Allen utiliza esse... truque?, com genialidade, em Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, Espanha/Estados Unidos, 2011, 100 minutos).

O cineasta nova-iorquino faz um poema a Paris, exibindo-a sob todas as suas luzes, especialmente a da meia-noite, quando, na Paris de agora, um escritor, personagem central do filme, embarca no túnel do tempo rumo aos anos de 1920, e se encontra com Ernest Hemingway, de Paris é uma festa, Francis Scott Fitzgerald, de Suave é a noite, Pablo Picasso, e turma. De volta a 2011, descobre a intensidade do momento mesmo da vida, pois agora tem certeza de que a verdade está sob a chuva, à meia-noite, em Paris.
A verdade está dentro de nós mesmos. “Aonde quer que a gente vá, levamos sempre conosco nós mesmos” – disse o autor de O sol também se levanta. Com efeito, mudanças de ares não solucionam problema algum, pois se passa no plano físico, embora possam significar uma pista para a resolução do conflito, que ocorre na mente.
Lembro-me que, em 1971, aos 17 anos, em Macapá, minha cidade natal, uma cidadela ribeirinha, eu me sentia acossado pelo preconceito gratuito contra o ser artista. Escafedi-me. Fui de carona para o Rio de Janeiro. Já havia lido Paris é uma festa. Na casa do teatrólogo Paschoal Carlos Magno, em Santa Teresa, Rio, disse a ele que queria ir para Paris. Ele me perguntou para que. Disse-lhe que era para escrever um romance. “Mas você pode escrevê-lo aqui” – disse-me. “Se ao menos ainda estivéssemos no governo de Juscelino Kubitscheck.”
Nunca fui a Paris, nem escrevi romance algum no Rio de Janeiro, mas foi lá que eu renasci, da mesma forma que renasci em Buenos Aires, em Manaus, em Belém do Pará, em Brasília, em Goiânia, em Luziânia. Qualquer cidade é boa para renascermos, basta que descubramos, nela, o portal do tempo, que nos leva ao agora e o agora.
Assim como Woody Allen fez em Meia-noite em Paris, fiz em A Casa Amarela (Editora Cejup, Belém do Pará, 2004, 158 páginas). A turma toda está lá, em Macapá, sob o perfume dos jasmineiros que choram nas noites tórridas, que são todas as noites, exceto as muitas noites em que sentimos cheiro de água, de tanta chuva. Mas, em agosto, o céu de Macapá parece Paris à meia-noite, e a boca do rio Amazonas arranca o cheiro do Atlântico e o leva até os quiosques na frente do Macapá Hotel, misturando-se a Cerpinha enevoada e a boca de mulher.
O tempo cronológico é físico; o tempo mental, ou poético, não existe. Os artistas sabem disso. Por isso, não importa onde estiverem, estarão sempre viajando, às vezes, muito alto, num avião, batendo papo com Antoine de Saint-Exupéry.