sábado, 29 de dezembro de 2012

O agora e o agora, o momento mesmo da vida

BRASÍLIA, 29 de dezembro de 2012 – Em 1975, em Manaus, o jornalista Isaias Oliveira me disse algo que remoí nos 25 anos seguintes: “O passado é feito do que há de melhor”. Tínhamos, então, 21 anos de idade, e Isaias Oliveira, ex guia de turistas na selva, começava, como eu, a carreira jornalística, ambos sem curso superior. Ele, contudo, já me impressionava, sobretudo pela sua serenidade, e pela cultura. A personagem central do meu conto Inferno Verde, o jornalista que duela com o psicopata Cara de Catarro, foi batizado de Isaias Oliveira, e tem os olhos grandes e expressivos do seu homônimo da vida real.
Criei, e utilizei em mais de um trabalho de ficção, uma frase que equaciona o que Isaias Oliveira me dissera décadas atrás: “O agora e o agora, o momento mesmo da vida”, no sentido de que não existe passado, nem futuro, mas somente a intensidade do agora. O passado e o futuro são vidas paralelas.
Mas se não existe, por que Isaias Oliveira teria me dito que “o passado é feito do que há de melhor?” E aquela zona escura da nossa personalidade, que não confessamos nem para nós mesmos? E os crimes que cometemos, inconfessáveis, e que somente nossa consciência pode punir, por meio da angústia, às vezes tão aguda que sangra a alma? Como fugir dessa zona sombria, se ela está alojada no subconsciente, indelével? Podemos até esquecer esse inferno, mas, sempre que a oportunidade se apresenta, ele se manifesta.
Minha esposa, Josiane, preletora da Seicho-no-Ie e psicóloga, vive me dizendo: “Tudo o que realizamos deve ser feito como a coisa mais importante da nossa vida, com amor, para que beneficie o mais amplamente o maior número de pessoas”. Ontem, li em voz alta o preceito do dia 28 do calendário de 2013 da Seicho-no-Ie, que diz: “Concentre-se no agora e viva plenamente. Você nasceu neste mundo para viver plenamente cada momento de sua vida. Aprimorou sua alma valorizando o passado e visualizando um futuro radioso. Concentre os esforços naquilo que deve ser feito agora. Só assim abrir-se-á a porta de seu futuro. É essencial cumprir bem a missão que lhe cabe no momento” (Seicho Taniguchi). Minha filha, Iasmim, que me ouvia, disse: “Pai, o passado nós vivificamos; o presente, vivemos; o futuro, a gente constrói”.
Com efeito, o passado não existe, mesmo. Nostalgia, voltar ao passado, tentar resgatá-lo, estacionar nele, é vida paralela; e voltar ao passado para castigar-nos é mergulhar na angústia, agonizar, morrer. Se temos algum ajuste com o passado, só precisamos arrepender-nos, ou seja, não cometer mais o que nos angustia tanto, e aceitar o resultado da colheita, por mais terrível que seja. De real, naquilo que já foi, só há os antepassados, as raízes, o riso mais cristalino de quando éramos criança. E o futuro, será sempre o reflexo do agora e o agora.
Já faz tempo que vivo cada dia. Ainda tenho muitos livros para escrever, mas não estou preocupado com isso. Quero ver telas novas de Olivar Cunha e ler o livro de contos de Joy Edson, quero sentir crianças rindo e rosas que não se importam em se desnudarem na minha presença. O momento mesmo da vida é o azul mais azul, intenso como a nudez das rosas vermelhas à luz de manhãs ensolaradas, como o primeiro beijo, e gemidos no silêncio da noite, ao mergulharmos no abismo da mulher amada, prenhe de mistério.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Pequeno poema de Natal

Existe um jardim prenhe de rosas colombianas vermelhas, zínias multicoloridas
Jasmineiros que espargem Chanel número 5 em tórridas noites de agosto, na Amazônia,
Quando o céu é só diamantes e, de tão azul, sangra.
Escorre, nas frestas deste jardim, ouro, nas manhãs ensolaradas
E há uma mina, onde brotam as roseiras mais vermelhas
E de onde retiro rubis e esmeraldas.
No jardim, todas as manhãs são arrumadas por Deus, e são eternas.
As crianças adoram brincar entre as flores
E seus risos são o Concerto para Piano e Orquestra, em Ré Menor.
Sou o apanhador do jardim; quando a bola das crianças cai longe, na relva,
Corro para devolvê-la e continuar ouvindo-as,
Como ouço o sangue latejando nos tímpanos, o atrito da Terra no espaço,
O hálito de Deus.
O jardim é fovista como a paleta mais luminosa de Olivar Cunha
E os alimentos são doces como o sumo dos frutos mais desejados.
O cheiro de maresia
O sabor de leite materno
O azul das rosas vermelhas
Mozart
O cetim das pétalas
O voo vertiginoso no Éter
Guardo num relicário, na memória do meu coração,
Que é de vocês, Josiane e Iasmim,
Neste Natal, e para sempre.
 
Brasília, 24 de dezembro de 2012

domingo, 11 de novembro de 2012

O apanhador no campo de centeio

BRASÍLIA, 11 de novembro de 2012 – Os dias sucedem-se nublados. Às vezes, abre-se uma gigantesca fresta de sol sobre a cidade, que pulsa ao calor. Há dias de vento forte, e chove. Assim caminha o ano rumo a dezembro, docemente, ao embalo do verão. Há mangueiras que já se vergam ao peso das mangas, belas como enfeites de Natal. Lemos, nas mentes das pessoas, que depositarão novamente todas as suas esperanças no primeiro dia do novo ano. Contudo, isso já está assegurado, porque a vida renasce todos os dias, todos os instantes, e para isso precisamos ouvir apenas o canto dos sabiás, sorrir para as crianças, especialmente as tristes, e oferecer flores aos que amamos, com o mesmo espírito de entrega do poeta ao ofertar rosas para a madrugada.

Dezembro não tardará, trazendo toda a magia da vida, até para os que se julgam perdidos na noite eterna dos danados, pois basta ouvir o riso dos pequeninos para que surja o sol no jardim do coração. Não importa quanto mal tenhamos praticado, mas quando sentimos o perdão todas as correntes se partem para sempre e descobrimos que é fácil voar. A esperança de 1 de janeiro deve se perpetuar para o dia 2 e se renovar, como as manhãs no trópico, até 31 de dezembro. Então, tudo recomeça.

Em 2013, vou abrir de novo meu relicário e ofertar todas as pedras preciosas que conseguir tirar de dentro dele. Posso ofertá-las para sempre, pois surgem mais e mais, infinitamente; são focos de luz, e só os vemos com o coração. Pretendo também ouvir mais a música da madrugada, para produzir mais diamantes, rubis e esmeraldas.

À medida que nos aproximamos de dezembro, a esperança brota numa flor, no canto dos passarinhos, nas mangueiras carregadas de frutos, no riso das crianças, nos olhos da mulher amada. As manhãs são redentoras, as tardes escoam como rios amazônicos e as noites são navios grandes e bem iluminados.

Sou o apanhador no campo de centeio. Estou ali, de vigília, e as crianças brincam de bola. Estou atento. Se a bola cai longe, vou apanhá-la e a devolvo para as crianças. Se uma delas se machuca, cuido do machucado e a consolo; quando elas sentem fome, alimento-as; e se alguma delas quer ficar triste, alegro-a, pois sei que tudo posso; até voar.

E assim vão-se os dias, embalados por ventos tão azuis que cheiram a mar. O Natal logo baterá à porta do meu coração, e virá o novo ano, num voo vertiginoso como o primeiro beijo, roubado dos lábios de um anjo, e tudo isso temos para sempre dentro de cada célula, de cada átomo, de cada quantum da nossa mente.

As madrugadas, as mesmas madrugadas que perpassam o Concerto para Piano e Orquestra, em Ré Menor, de Mozart, essas madrugadas impregnadas de Chanel Número 5 espargido nos labirintos de mistérios do corpo da mulher amada, essas noites tórridas da Amazônia, regadas ao choro dos jasmineiros, esse Atlântico, abrem-se na minha vida em veredas ladeadas por zínias multicoloridas e rosas colombianas, vermelhas. É nas madrugadas que dou à luz personagens que nascem ao computador.

E isso é tudo o que eu quero, além do brilho dos olhos da minha amada, e do riso da minha filha, e da luz dos meus anjinhos, e do cheiro da minha mãe, e do bate-papo com meus antepassados, e dos voos vertiginosos junto com meu pai. Assim, estarei sempre acordado e bem-disposto na missão do apanhador no campo de centeio.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Coachs e escravos não mergulham no azul!

BRASÍLIA, 2 de novembro de 2012 – Corno manso é quem tem ciência de que sua cara-metade lhe põe chifre, mas não tuge, nem muge; prefere repartir a ficar sem nada. Escravo manso, de certa forma, é uma espécie de corno, traído por si mesmo. Induzidos pela empresa na qual trabalham, tornam-se escravos por meio de coaching, palavra originada na cidade húngara de Kocs, à margem do rio Danilo, e onde fabricavam-se carruagens. Kocs é uma palavra húngara parecida com “tutores”. No século XIX, uma universidade adotou o nome “coach” para os professores, e depois técnicos esportistas locais passaram a ser também chamados assim. Nas décadas de 1950 e de 1960, a palavra ganhou o mundo como “coaching”.

Problemas financeiros, falta de mão de obra e fatores que levavam à demissão de funcionários, levaram empresas a contratarem assessores, chamados coachs, para treinarem os funcionários sobre o processo de funcionamento delas. Dava certo. As empresas começaram a investir firmemente em técnicos com capacidade de moldar funcionários para produzir mais sem espernear. Hoje, há quem utilize o processo de coaching até como terapia psicológica, o que, naturalmente, baralha ainda mais a mente do coachee. Pregam os coachs que o coachee alcançará melhor qualidade de vida por meio do coaching.

O objetivo é sempre alcançado com tecnocratas, que acabam se transformando em máquina, o que, no fim das contas, é o que os empresários querem. Quando ocorre de o funcionário ter personalidade, jamais chegará ao fim de um desses treinamentos para ovelha, e certamente entrará na lista negra da empresa, se não for logo demitido. Para quem é trabalhador compulsivo, coaching é um prato cheio, capaz de levar à sublimação robótica.

Todos nós nascemos com facilidade para realizar certas tarefas, com talento e até genialidade. Tudo o que temos a fazer é descobrir, o mais cedo possível, nossa inclinação. Muitos pais estragam a vida dos filhos ao definir a profissão deles. Daí é que surgem médicos assassinos, feirantes doutorados em física, peões que lecionam em escolas públicas, artistas asfixiados num banco e milhões de pessoas atrás de um alto salário num emprego público, no qual se masturbará o resto da vida. Outro drama na vida de funcionários infelizes é sonhar ou com o passado ou com o futuro. Como ambos não existem, sonham mesmo.

Há também outra questão: a da fidelidade. Acompanhei o caso de uma estagiária numa determinada empresa. Foi-lhe exigida uma carga de trabalho que nem o melhor coach do planeta conseguiria extrair dela, mesmo que fosse escrava na acepção clássica do termo. Morreria apanhando e não daria conta do que lhe impuseram, mas foi fiel consigo mesma, revelando personalidade. Sua atitude foi vista como irresponsável pelo seu coach. Ora, quem não tem fidelidade consigo mesmo será sempre um bosta n’água, flutuando ao sabor da maré.

Pessoalmente, eu mesmo sou quem oficia missa na minha igrejinha pessoal, razão pela qual não fiz sucesso em algumas das empresas em que trabalhei, porque os coachs, que não são apenas os próprios, mas qualquer escravocrata, acham que o único mundo que existe é o que existe na cabeça deles. Nem desconfiam que o agora é intenso, ilimitado e eterno, e talvez jamais sintam o perfume da vida, vertiginoso mergulho no azul.

sábado, 20 de outubro de 2012

Belém do Pará, nua

Anoitece na Estação das Docas, docemente, como negra em vestido de seda.
De tão intenso, o azul sangra, como choram jasmineiros em noites tórridas!

BRASÍLIA, 20 de outubro de 2012 – Quem chega de avião a Belém, à noite, à direita da aeronave, divisa, lentamente, a miríade de LEDs, bruxuleantes, sobre a península que avança para a escuridão, até que os contornos do rio Guamá vão ficando cada vez mais nítidos, à medida que se alarga na baía de Guajará, torres iluminadas se agigantam e os telhados das casas se aproximam. Subitamente, os gigantescos pneus do jato se chocam no chão de concreto e a nave desliza, veloz, começando a taxiar rumo ao terminal de passageiros. Ao pisarem no aeroporto de Val-de-Cães, os iniciados já começam a sentir, plenamente, a Cidade das Mangueiras. Pelo rio, de dia, ela surge como mulher emergindo, de repente, salpicando água, nuazinha.
Todas as cidades são semelhantes, inclusive Brasília, porém, conforme a iniciação de quem mergulha nelas, são portais para outras dimensões. Contudo, todas têm algo em comum: são mulheres, e como mulheres, não podem ser decifradas; precisam apenas ser amadas, pois só para isso existem, como poemas escritos por Deus.
Da mesma forma que as mulheres, as cidades são redes de labirintos intermináveis, abismos de segredos, por onde navegamos, sempre perdidos, mas firmemente guiados pelo azul mais azul, tão intenso que sangra. As cidades, exatamente como as mulheres, são choro de jasmineiros em noites tórridas, quando se abrem, de corpo e alma, aos nossos sentidos. Mergulhamos nas ruas das cidades do mesmo jeito que cavalgamos a luz, nos abismos femininos.
Sentado no calçadão defronte ao Colégio Nossa Senhora de Nazaré, ao embalo estático das 6 horas da tarde, caminho ao lado de cada uma das mulheres que passam, espargindo Chanel número 5, sob seus vestidos estampados. Então descubro o segredo da Hileia, deslindo o mistério, e, assim, o amplio: toda a Amazônia está contida num ramo de jambu. E é assim, nesse estado, que me acomodo numa cadeira de palhinha na Estação das Docas. Ao longe, um navio segue para o norte. Sinto cheiro de maresia, Cerpinha, merengue, à passagem de uma negra caribenha em vestido de seda, sílfide equina.
Continental e insular, Belém é o encontro da Grande Floresta Tropical com o oceano Atlântico nas águas salobras de Mosqueiro; o encontro da Hileia com a cidade pós-moderna; do ribeirinho com o cosmopolita; a Cidade Morena.
Amanhece. À medida que o dia vai esquentando e seus habitantes se movimentam, os subterrâneos vão minando. A cidade despeja esgoto in natura no rio. Há bairros nos quais moradores vivem em cima da merda. Outros, quando chove grosso e durante horas, vão para o fundo. O trânsito é caótico, e a segurança, como no resto do país, beira a lei da selva. Turistas só vão lá porque viver não é preciso; conhecer Belém é preciso.
Já faz tanto tempo que essa fêmea amazônida, esse portal do realismo fantástico, vem sendo estuprada por ratos que mordem seus seios, de onde, em vez de leite da mulher amada mina sangue de crianças de rua apedrejadas! Belém precisa de um prefeito que a ame, que a faça rir, que a revele em todo seu esplendor, como mulher ao toucador, absorta, nua.

sábado, 6 de outubro de 2012

A capital da Amazônia

BRASÍLIA, 6 outubro de 2012 – Desde que o espanhol Vicente Yáñez Pinzón, descobriu a Amazônia, em 26 de janeiro de 1500, que a Hileia vem sendo espoliada. Saqueada e escravizada pelos lusitanos durante 4 séculos, hoje, vem sendo colonizada pelo estado brasileiro, há mais de 1 século, constituindo-se na região mais infestada de colonos, piratas e escravocratas do planeta, incluindo os governos que se sucedem em Brasília, comandada, atualmente, pelo PT, o do Mensalão, do qual só se identificou, até agora, o chefe da quadrilha. Falta o chefão.
Voltemos à Amazônia. Trata-se da maior província biológica, aquífera e mineral do mundo, sem similar. O governo federal realiza grandes projetos na Amazônia, e não para a Amazônia. Por exemplo: a Vale do Rio Doce exporta uma montanha de minério de ferro e no Pará só fica o buraco, como o de Serra do Navio, no vizinho estado do Amapá, de onde foi extraído e vendido a preço de banana pela Icomi o melhor manganês do globo; hoje, estrategicamente estocado nos Estados Unidos. E quem recebe a grana é o governo federal.
A Albras/Alunorte, também no Pará, produz lingotes de alumina para o Japão, utilizando energia elétrica de Tucuruí, enquanto que no Pará, principalmente no Marajó, grande número de municípios não conta com energia elétrica firme.
Recentemente, construiu-se uma ponte sobre o rio Negro ligando Manaus a lugar algum. Ela custou R$ 1 bilhão.
No Amapá, a roubalheira é tão flagrante que não se sabe por que Zé Sarney, que anexou o Amapá ao Maranhão, ainda não interviu. Falar no estado dos tucujus, a costa do Amapá, desde o Marajó até o rio Oiapoque, é a maior província de vidas marinhas do planeta, porque o rio Amazonas lança profundamente no Atlântico o húmus que arrasta da grande floresta, mas quem pesca lá são piratas de todas as partes do mundo. A Marinha de Guerra brasileira não tem equipamento para vigiar a região, e, pelo que se nota, não há o menor interesse do PT nisso, até porque estão preocupados com o julgamento do Mensalão.
As toras de madeira griladas na Amazônia atravessam boa parte do continente brasileiro para serem comercializadas tranquilamente em São Paulo. Trafica-se, na Amazônia, até combustível atômico; lá, também, escraviza-se, inclusive crianças, que se tornam escravas sexuais até a morte. Creio que o Congresso Nacional disponha de relatórios que confirmam o que estou dizendo, a menos que sejam atos secretos, e certamente a Abin sabe o que se passa no Inferno Verde.
Nesse contexto, Belém, a capital do Pará, é a mais importante cidade da Amazônia, pois sempre foi a porta de entrada, e de saída, do Mundo das Águas. Acontece que Belém, que já foi a cidade mais rica do país, no Ciclo da Borracha, vem sendo pilhada, governo após governo. Há 16 anos, nas administrações de Edmilson Rodrigues e Duciomar Costa, de abandonada, Belém começou a ser depredada. Para piorar a situação do Portal da Amazônia, de 2007 a 2010, além do PT incrustado na burra por meio da aparelhagem do estado e da sua associação com o PMDB da transposição do São Francisco, da Ferrovia Norte-Sul, do setor elétrico etc. etc. etc., o Pará ficou desgovernado pela dançarina de carimbó petista Ana Júlia Carepa, hoje, com a ventosa numa sinecura federal.
Amanhã, os belenenses vão escolher quem administrará a Cidade das Mangueiras de 2013 a 2016. Entre os candidatos, um está preparado para resgatar a Capital da Amazônia: Zenaldo Coutinho. Ele conhece Belém como poucos e sabe o caminho das pedras para solucionar, um a um, os problemas mais prementes da Cidade Morena. Durante 10 anos seguidos, fui repórter de cidade em Belém, e estive do Lixão aos palácios; sei, por conseguinte, o que é Belém. Assessorei Zenaldo Coutinho no Congresso Nacional, acompanhando de perto seu trabalho; foi aí que observei o quanto ele conhece a Amazônia, e, por extensão, o Pará e Belém. Não somente isso, Zenaldo Coutinho ama profundamente Belém, naquilo que ela tem de mais precioso: a cultura.
É essa cultura que precisa ser resgatada, a cultura oriunda do povo belenense, cioso da beleza, do aconchego, da delícia que é Belém do Pará.

sábado, 15 de setembro de 2012

Gritos e sussurros

A tarde desmaiava, assaltada por flocos negros, invisíveis, acamando-se na cidade, e logo os anúncios luminosos, as luzes dos postes e os faróis dos carros começaram a povoar as ruas. Dentro do bar, onde eu estava, de repente a vida recomeçou. Podia ver parte do Setor Hoteleiro Sul, o Pátio Brasil e alguns prédios do Setor Comercial Sul. Em primeiro plano, o anoitecer me ofertava o passa-passa de mulheres tão lindas que eram, estou certo disso, miragens. Lá fora, o tempo estava seco e quente como um soco na boca do estômago, mas dentro do bar o ar refrigerado e o umidificador funcionavam ajustados como um foguete tripulado.
- O Mensalão começou a respingar no Chefão – disse meu amigo, velho jornalista que não conseguiu se adaptar aos novos tempos. Quanto a mim, ainda logrei ajustar-me a treinamento motivacional, coaching, como se diz, voltada para o que eu chamaria de “escravidão mansa”. Lembrei-me de William Faulkner: “É uma vergonha que haja tanto trabalho no mundo. Uma das coisas mais tristes é que a única coisa que um homem pode fazer durante oito horas diárias, dia após dia, é trabalhar. A gente não pode comer, beber ou fazer amor durante oito horas diárias: só o que se pode fazer, durante oito horas, é trabalhar. Eis aí a razão por que o homem torna a si próprio e a todos os demais tão miseráveis e infelizes”.
- Mas não te iludas; gente como o Chefão está tão blindado que nem Klark Kent conseguiria prova contra ele – disse-lhe. – Continuará chiando sua algaravia.
Uma jovem entrou no bar do hotel. Remetia imediatamente a jambo maduro, com sua alva pele cafuza, e longos cabelos de índia descendo-lhe como ervas daninhas até a garupa de DNA africano. Trajava vestido de seda branco, estampado de amarelo e vermelho. Foi direto para o balcão e se aboletou num tamborete, os quadris maravilhosos enchendo meus olhos, e os do meu velho amigo jornalista, que perdeu, de repente, o interesse pelo Chefão. Duas jovens europeias, com suas peles brancas, rosadas, quase vermelhas, inflamadas pelo sol tropical, também olharam para a cafuza, que deixou um rastro de jasmineiros chorando em noites tórridas em Macapá, cidade que flutua na boca do maior rio do mundo, o Amazonas. A cafuza pediu água tônica. Inadvertidamente, levei minha água tônica à boca. Gelada, refrescante, a bebida assumiu sabor de Caribe, ao som da voz da mulher improvável, que tinha sotaque francês. “Será da Guiana Francesa?” – pensei, referindo-me à colônia que os franceses mantêm vizinha ao estado do Amapá, que o senador Zé Sarney, o dos Atos Secretos, anexou ao Maranhão.
Meu velho amigo jornalista suspirou. Parecia o último suspiro de décadas de álcool, cigarro, noites indormidas, desregramento.
- Produto genuíno do trópico – cochichou-me, quase babando. Fiz sinal ao garçom para que levasse mais uma garrafa de água tônica para mim e uma Cerpinha para meu amigo. Cerpinha é a melhor cerveja do mundo. Quando eu era alcoólatra e ia a Belém, começava a beber Cerpinha enquanto tomava banho e depois observando a cidade pela janela do quarto de hotel, de modo que ao mergulhar nas veias da Cidade Morena já estava pronto.
- É da Guiana Francesa – disse-lhe. – Ou de Macapá, há muito tempo morando em Caiena.
- Conheci uma assim no Acre – confidenciou-me.
De repente, lembrei-me de Gabriela, Cravo e Canela, em cartaz na Globo. A mulata, a mulher cor de canela, a negra, a índia, mulheres produzidas para a libidinagem dos europeus e brasileiros de sangue azul. Um paradoxo. Mesmo com 10 mil anos de polimento, levado ao paroxismo em países como a Grã-Bretanha, a natureza masculina conserva o animal irracional que a habita. Se queres conhecer a verdadeira personalidade de um homem, lança-o à guerra, ou enche-o de cachaça, ou observa seu comportamento ao assalto de uma mulher fatal.
- Temos mulheres assim em toda a Amazônia – comentei, pois sabia que meu amigo conhece a Hileia tanto quanto eu, o que quer dizer que ambos já mergulhamos na alma da mulher amazônida, e sentimos o mundo girar, a mesma experiência de tomar tacacá às 6 horas da tarde na banca do Colégio Nazaré. Jambu! Jasmineiros chorando! Cerpinha! O céu, tão azul que sangra! Maresia! O balanço de uma rede! Leite da mulher amada! Jambo, doces como seios!
A cafuza fazia, agora, anotações em um caderno tipo Moleskine, e vi que era da Tilibra. Seria jornalista também? Ou secretária executiva de algum bilionário do ramo dos hotéis fazendo prospecções para a Copa do Mundo de 2014? Seja lá o que for, era tão linda que causava dor. Eu estava tão concentrado nela, que a mulher improvável se voltou para mim. Só então vi seus olhos, de clorofila, duas pedras preciosas a me engolirem. Fiquei petrificado, com o mesmo terror que deve acometer as presas na boca do jacaré. Depois percebi que o olhar da cafuza fora ocasional, que ela sequer me viu, nem à sua saída, deixando um banzeiro de romance e aventura na noite. Meu amigo e eu ficamos calados. Eu sabia o que ele estava pensando e ele também sabia perfeitamente o que eu sentia. Logo depois saímos. A noite era como um relicário de joias. Mais tarde, em outro bar, ouvi, quase inaudível, vindo de algum lugar, Zorba, o Grego, de Mikis Theodorakis.
 
Brasília, 15 de novembro de 2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Rio de Janeiro

Cheguei ao Rio de Janeiro num dia de semana, sem lenço e sem documento, em 1972. Tinha 17 anos e não portava sequer carteira de identidade, e contava apenas com o terceiro ano do antigo curso ginasial, hoje, ensino fundamental. Queria sair de Macapá. Tomei um barco para Belém e de lá viajei de carona para Brasília e depois tomei um ônibus para o Rio de Janeiro, levando comigo alguns exemplares de Xarda Misturada, livro de poemas que publiquei em 1971, em Macapá, com Joy Edson (José Edson dos Santos) e José Montoril. Lembro-me que cheguei no meio da tarde e na rodoviária pedi informações e tomei um ônibus para o coração do Rio de Janeiro, o cruzamento das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, onde fica a antiga catedral da cidade de São Sebastião. Levava comigo o endereço de trabalho de uma amiga do pintor e poeta Manoel Bispo, de Macapá, e a confiança inabalável de um garoto ribeirinho de que a amiga do Manoel Bispo me receberia de braços abertos. Localizei-a quase à saída do trabalho; já na rua ela me olhou e me disse que eu não poderia ficar na casa dela, desejou-me boa sorte e sumiu na multidão.
Eu levava também comigo o endereço de um amigo que conheci no Colégio Amapaense, Sílvio, paulistano que fora para Macapá com o pai, um americano que trabalhava na Indústria e Comércio de Minérios de Ferro e Manganês (Icomi), que, juntamente com a Bethlehem Steel, transportou do município de Serra do Navio, para os Estados Unidos, a jazida do melhor manganês do planeta, a preços vis, e deixou uma imensa cratera no Amapá.
Na época, o Sílvio morava com os tios na Alameda São Boaventura 208, Fonseca, Niterói. Cheguei lá à noite. O Sílvio, sua tia e seus primos me receberam muito bem. Em novembro daquele ano apresentei-me na Primeira Região Militar do Exército. Eu meço 1,64 metro de altura, e creio que pesasse, naquela época, 50 quilos (hoje, peso 64 quilos), também a mudança de clima e a poluição causaram uma coceira no meu corpo todo, de modo que fui dispensado do serviço militar, e vi meu propósito de morar no quartel esfarinhar-se.
O tio do Sílvio era um oficial da Aeronáutica, negro, coisa rara na Ditadura dos Generais (1964-1985). Acho que o episódio que aconteceu naquela noite foi reflexo daqueles anos de chumbo. O tio do Sílvio chegou mais cedo. Eu estava tocando violão na sala. Aprendera-o em Macapá com um amigo de adolescência, Ribamar Teixeira. O tio do Sílvio ordenou que fôssemos todos dormir. Eu dormia num sofá, na varanda. Continuei tocando violão. Então o tio do Sílvio veio do quarto dele e ordenou que eu pegasse minhas coisas e fosse embora. Juntei meus pertences – algumas roupas e exemplares de Xarda Misturada – e fui para a rodoviária central de Niterói. Foi uma longa noite. Só senti mais frio na estação aeroviária de Buenos Aires, em certa noite que lá passei, e da qual surgiu o poema Noite Horrível, publicado no livro Sob o Céu nas Nuvens (edição do autor, Belém, 1982).
Só quem passa uma noite dessas é que sente o quanto o sol do alvorecer é vivificante. Nem bem o dia amanheceu, lavei o rosto, tomei café com leite e pão com manteiga e me mandei para a representação do governo do Território Federal do Amapá, no centro do Rio de Janeiro. O representante, Couto, era conhecido por ajudar amapaenses. Conversamos. Ele me perguntou se eu conhecia o Itabaraci, que é de uma geração ligeiramente antes da minha, de Macapá (onde hoje vive); contudo, seu pai, Aimore (em tupi, não leva acento agudo na última sílaba) Nunes Batista, era padrinho da minha irmã caçula, Rosa Maria. Disse ao Couto que sim, conhecia o Itabaraci, e ele me deu um conselho.
- Vai procurar o Itabaraci; ele mora num apartamento em Copacabana, onde a senhoria, dona Maria Antônia, aluga vagas – disse-me ele, e me deu o endereço: Rua República do Peru 210, Apartamento 204, entre as ruas Tonelero e Barata Ribeiro, Copacabana. Vivi dois anos lá.
Dona Maria Antônia, paraense, funcionária dos Correios, há muito radicada no Rio, foi uma das mulheres mais bacanas que encontrei. Ela simplesmente me acolheu, e só passei a pagar vaga depois que ela mesma conseguiu emprego para mim, como ajudante de carteiro numa agência dos Correios em Copacabana, e depois como faz-tudo numa empresa de conserto e venda de peças de eletrodomésticos, primeiramente numa loja em Ipanema e depois em Copacabana. Quanto ao Itabaraci, e seu irmão, o violonista e pianista Aimorezinho, que nessa época tocava na banda do Raul Seixas (hoje, vive em fortaleza), trataram-me como a um príncipe. Por isso sou eternamente grato a eles.
Logo depois, o compositor amapaense Luiz Tadeu Tavares Magalhães, que estava morando no Rio e trabalhava na White Martins, conseguiu para mim uma vaga como contínuo na filial de Jacaré, na Zona Norte. O Tadeu era músico e radialista em Macapá, e me entrevistara várias vezes, na condição de escritor. Em 1971, antes de publicar Xarda Misturada, participei de um jornalzinho colegial anarquista, A Rosa, de modo que eu tinha ideia de como fazer um house organ, e foi o que eu fiz, o jornalzinho da filial. Além disso, eu pagava mensalmente uma empresa que fornecia entradas a pelo menos quatro peças teatrais por mês. O gerente da filial, dr. Arlindo, também era cliente da mesma empresa, e andamos nos encontrando nos teatros. Conclusão: ele morava em Ipanema e passou a me dar carona para Copacabana quando saíamos juntos. O jornalzinho e o interesse comum por teatro entre o gerente da filial e eu, além da companhia do Luiz Tadeu, tornavam o ambiente pesado de multinacional da White Martins em um convívio bastante agradável.
Às sextas-feiras, principalmente após recebermos o salário, eu saía com o Luiz Tadeu. Às vezes, íamos para a casa do nosso colega de White Martins, Frank Loiola Matos, em Padre Miguel. O fato é que bebíamos muito. Também foi nessa época que conheci o Luiz Loyola, Lula, irmão do Frank, no Curso de Interpretação Teatral no antigo Teatro de Comedia do Estado da Guanabara (Teco), na turma do professor e ator Jorge Paulo. A prova final do curso foi a encenação de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, com músicas de Chico Buarque de Holanda, no extinto Teatro de Arena no Largo da Carioca. Fiz um dos coveiros. Nessa mesma época, começamos leituras e laboratório da peça Miolo de Pão, texto de Luiz Loyola e que expressava “a realidade conflitante, festiva e utópica de uma família do subúrbio carioca” – como diz o próprio Loyola. Nós nos reuníamos na casa do Jamil Viana, na Pavuna; na casa da belíssima Beth Bello, na Ilha do Governador; e na Vila Valqueire.
No quarto do Loiola, BOE (Boite Onda Estudantil), na casa em Padre Miguel, “aconteciam reuniões com muita música, teatro, poesia, happenings, num clima underground e ambiente psicodélico, cheio de posters de vanguarda, caricaturas, painel com capas de LP, objetos antigos, como um armário centenário com um enorme espelho de cristal na frente da porta, que encantava os narcisistas, uma luminária em formato de chapéu mexicano vermelho, iluminada por uma tênue luz azul opaca, lembrando cabarés da Avenida Prado Júnior, no Leme; no chão, havia um espelho retrovisor redondo, de aproximadamente um metro de diâmetro, do serviço de trânsito do Rio, apelidado de “poço” pelo companheiro de trabalho Paulo Cesar Americano do Brasil, da Remington Rand, onde trabalhei com Luiz Tadeu no inicio da década de 70” – lembra Luiz Loiola.
“Num desses eventos, em uma noite festiva, tive o prazer de receber o amigo Ray Cunha, sutilmente trajando: calça jeans do Lixo (boutique cult de Copa), camisa mangas compridas com gola rolé cor roxa e sapatos bicolor vermelho e amarelo... a figura tinha cabelos ruivos black-power no melhor estilo saltimbanco do ator do filme musical Gospell... em sua companhia chegaram Luiz Tadeu e Iara Picanço, depois de uma viagem de trem da Central do Brasil, direto do subúrbio do Lins de Vasconcelos” – recorda Luiz Loila.
“Numa única visita à casa de Ray Cunha, na Rua República do Peru, em Copacabana, na década de 70, o poeta me recebeu em seu quarto (vaga), onde havia uma cama beliche e o seu estado de saúde era gripal e febril, e driblamos aquele quadro e resolvemos sair pra respirarmos uma brisa do mar caminhando pelo calçadão, depois paramos numa lanchonete e tomamos um delicioso café e suco de laranja com sanduíche, e serpenteando pelas ruas sombrias do bairro, o poeta fez uma citação irreverente dizendo que "Copacabana era uma enorme cama, onde nordestinos descansam...” – Luiz Loiola mergulha mais naqueles anos dourados, referindo-se ao poema Essa Copacabana Triste Mulher, publicado no livro Sob o Céu nas Nuvens.
“Não posso deixar de relatar, uma noite quando eu e o poeta chegamos em minha casa em Padre Miguel fomos para a cozinha e nos deliciamos com café com bolo, pães, cuscuz de fubá preparados por minha mãe, dona Maria Amélia (in memorian); foi quando o poeta, degustando uma banana, começou a declamar versos de Xarda Misturada, dando um toque tropicalista romântico àquela noite de inverno tímido” – registra meu caríssimo amigo Luiz Loiola.
Nessa mesma época, Manoel Bispo foi fazer um curso de pintura no Parque Lage, e foi vizinho do Luiz Tadeu, no Lins. Havia fins de semana que o Bispo e eu saíamos para bater perna. Parávamos para ver os pintores que expõem nas ruas da Zona Sul, entrávamos nas galerias, íamos a cinema e conversávamos sobre tudo. Eu ia muito a teatro, cinema de arte, circos como o Moscou e a grandes shows, como o Santana. Ia muito, também, aos programas de auditório da extinta TV Tupi. Varava o Rio noite adentro. Em 1974, já como balconista da filial da White Martins de Jacaré, pedi demissão e voltei para Macapá.
Em 1982, em Belém, com o matrimônio fracassado, parti novamente para o Rio de Janeiro. Mas era como se eu estivesse sonhando. Lembro-me que fui com o Luiz Tadeu para Pedra de Guaratiba, onde o Luiz Loiola festejou seu aniversário, com muita batida do Primo, vinho, cerveja, happenings e a bela voz do Luiz Tadeu. Dessa vez, minha estada no Rio durou pouco tempo. Retornei para Belém e concluí o curso de jornalismo.
Nos anos 1990, eu estava novamente no Rio quando o pintor Olivar Cunha expôs na Fiesp, em Botafogo, defronte ao Shopping Rio Sul. Ao coquetel de abertura estavam presentes Luiz Tadeu e sua filha e minha querida amiga Luciana Magalhães, e Luiz Loyola.
Em 1992, fui ao Rio para lançar A Grande Farra (edição do autor, Brasília, 1992, contos). Foi uma estada etílica.
Em 2000, fui participar da Bienal do Livro, com Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos. Num domingo de manhã eu acabara de sair da praia de Ipanema, com Luciana Magalhães, quando houve o primeiro arrastão televisionado - cenas aterrorizantes. Também dessa vez foi como se eu estivesse mergulhado num sonho etílico.
Em 2010, passei uma semana com a minha gata, Josiane, no Rio. Ela é psicóloga e foi participar do décimo primeiro Congresso Brasileiro de Psicooncologia e do quarto Encontro Internacional de Cuidados Paliativos em Oncologia, de 22 a 25 de setembro, no Centro de Convenções do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), em Botafogo. Hospedamo-nos no Hotel Inglês, ao lado do Museu da República, onde Getúlio Vargas se matou, no Flamengo. Jantávamos num restaurante defronte ao Museu, quase sempre camarão. Todas as comidas daquele restaurante são deliciosas. Aquela parte do Flamengo, até Botafogo, passando pelo Largo do Machado, é a Europa no trópico – fantástico. Durante o dia, enquanto a Josiane estava no CBC, eu incursionava pela Zona Sul, num resgate memorialístico redentor da cidade que eu tanto amo. Durante aquela semana eu esquadrinhei a Zona Sul, agora com o olhar maduro do homem de 56 anos de idade e que não mergulhava mais em bebedeiras mortais.
Perambulei por muitas ruas da Zona Sul, observei a arquitetura, a Lagoa Rodrigo de Freitas à noite, bati perna em Copacabana, Ipanema, Leblon, Barra da Tijuca, Flamengo, Botafogo, centro do Rio, e retornei ao Pão de Açúcar, com minha amada. Lá de cima sabemos de pronto por que o Rio é a Cidade Maravilhosa. Há cidades que aonde quer que eu vá estarei sempre nelas, porque elas, como o Rio de Janeiro, vivem para sempre no relicário do meu coração.

sábado, 1 de setembro de 2012

Cavalgada na luz

BRASÍLIA, 1 de setembro de 2012 – Eu tinha 17 anos quando saí de Macapá, em 1972. Era uma cidadela ribeirinha, sitiada pela selva, igualzinha a Macondo, com a diferença de que à sua frente passa o rio Amazonas. Quando é maré cheia e o vento sopra forte, ondas de mais de dois metros rebentam no muro de arrimo defronte da cidade, e quando a maré está baixa, o leito do rio surge, negro, numa faixa de quase um quilômetro de largura. Hoje, é a urbe que engole a floresta, numa caminhada de concreto, derrubando árvores e soterrando igarapés, em marcha de terra arrasada. Mas as cidades físicas são ilusórias; somente as que construímos em nosso coração eternizam-se.
Em dezembro de 1971, havia publicado, juntamente com Joy Edson (José Edson dos Santos) e José Montoril, Xarda Misturada, um livrinho de poemas adolescentes no qual o poeta Isnard Lima Filho encontrou um veio de pedras preciosas (certamente os poemas do Joy) e me batizou, então, de Ray Cunha, profetizando que um dia entrarei no mercado livreiro norte-americano. Meu nome é Raimundo, do gótico “sábio protetor”, e uma homenagem a meu avô paterno, Manoel Raimundo Cunha, e a meu pai, João Raimundo Cunha, além de uma promessa de vovó Rosa Maria Cunha a São Raimundo Nonato, padroeiro das parteiras e obstetras.
Pois bem, naquela época, em Macapá, artistas eram vistos como vagabundos. Então achei que deveria me mandar, e me mandei. Peguei minha cota de Xarda Misturada, tomei um barco no trapiche de Macapá e parti rumo a Belém, onde, com ajuda do meu irmão Paulo Cunha e de amigos, peguei carona pela Belém-Brasília, ainda em construção, e fui bater em Brasília, onde consegui, no antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC), passagem para o Rio de Janeiro. De lá, queria ir a Paris e cheguei a conversar isso com o dramaturgo Paschoal Carlos Magno, que me aconselhou a me aquietar no Rio mesmo. Depois, vivi em Buenos Aires, Manaus, Belém e, finalmente, Brasília.
Nessa peripécia, passei por inúmeras situações e circunstâncias insalubres ou perigosas, e conheci pessoas maravilhosas, com o que delineei meu perfil, que terá, sempre, base naquilo que recebi dos meus pais: amor incondicional – pois todo amor verdadeiro é incondicional.
Em 1975, comecei a trabalhar como repórter, o que faço até hoje, 37 anos depois. Ler, leio desde os 5 anos de idade, maravilhado com os gibis do meu irmão Paulo Cunha, e, depois, aos 14 anos, com os livros da estante dele, na qual fiz o primeiro contato com Ernest Hemingway.
Recentemente, assumi a chefia de redação de uma agência de comunicação de Brasília, predominantemente de jovens. Aos 58 anos de idade, cheguei ao requinte de auscultar a alma dos jovens. Geralmente são inquietos, dramáticos, desesperados e trágicos. Pensam que são imortais, no sentido de que serão sempre jovens, e veem a velhice como câncer em metástase. Ignoram que jovens também adoecem, sofrem acidentes e morrem, e que se sobreviverem até uma idade provecta lembrarão maracujá de gaveta, ou múmia, dependendo do número de intervenções plásticas ou procedimentos médicos a que se submeterem. E que os órgãos de todos nós, belos ou feios, falirão, e que a morte é inevitável.
Há exceções, óbvio ululante (uma homenagem a Nelson Rodrigues, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos). O americano Ernest Hemingway foi uma delas. Tinha 21 anos quando decidiu demitir-se do cargo de correspondente do Toronto Star em Paris para dedicar-se exclusivamente à literatura, mesmo sabendo que passaria fome. E passou. Aos 26 anos, publicou um romance revolucionário e maravilhoso: O sol também se levanta. É que aos 18 anos quase morre na Primeira Grande Guerra, e reavaliou sua vida.
Aos 21 anos, quando comecei a trabalhar como repórter, em Manaus, lindas gatas faziam fila à porta da minha alcova, mas só mergulhei inteiramente nos misteriosos abismos femininos depois de velho, ou seja, depois da peripécia. Então, se formos dar um sentido verdadeiro para velhice, ela quer dizer experiência, sabedoria, requinte. Mas vou lhes dizer uma coisa que pouca gente sabe verdadeiramente: nós, seres humanos, somos movidos pela mente. É a mente que vivifica nosso corpo. O tempo cronológico é, tão somente, uma convenção. Portanto, a mente não tem idade. Somos todos, jovens e velhos, mentes sem idade. Neste contexto, os velhos recebem mais sol nos jardins de Deus.
Nosso corpo é simplesmente um amontoado de átomos (Albert Einstein deixou isso bem claro), que se unem enquanto há vida (Éter, como nominam os cientistas; Deus, para quem desenvolveu a intuição). Creio que todos conhecem o adágio: Orai e vigiai! Por meio da oração entramos em contato com Deus, e por meio da vigília, isto é, da prática do bem, nos alinhamos com o Universo. Só então podemos cavalgar a luz.

domingo, 26 de agosto de 2012

A vida é sempre um recomeçar

BRASÍLIA, 26 de agosto de 2012 – Xarda Misturada, livro de poemas de Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e meus, foi publicado em dezembro de 1971, em Macapá. Em 1982, lancei Sob o Céu nas Nuvens, também de poemas, em Belém. Dez anos depois, estreei como contista, com A Grande Farra, em Brasília. Meu primeiro livro publicado por uma editora, Cejup, de Belém, saiu em 1996, o conto A Caça. Em 2000, lancei Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos e em 2005 a Editora Cejup publicou o romance A Casa Amarela. Em 2008, a LGE Editora, de Brasília, lançou O Casulo Exposto, de contos. Todos esses livros venderam, alguns vendem ainda, a conta-gotas.

Em 22 de outubro de 2010, o artista plástico André Cerino, meu amigo desde quando cheguei em Brasília, em 1987, criou o blog raycunha.blogspot.com. Um ano e 10 meses depois, o blog já foi visitado 17.389 vezes. Nunca fui tão lido, e por tantos leitores importantes. Dia 20 passado, comecei MBA em Marketing pela Escola de Administração e Negócios (Esad). A primeira aula dos cursos da Esad são sempre ministradas pelo seu principal executivo, Marcelo Saraceni. Pois bem, na hora das apresentações ele disse para a turma que é leitor do meu blog e me pediu para escrever o endereço eletrônico no quadro.

Depois desse episódio, ocorreu-me que muita gente importante lê meu blog, e até se corresponde comigo, como o poeta Jorge Tufic, do Clube da Madrugada, autor da letra do Hino do Amazonas. Convivi com Tufic entre 1975 e 1977. Bebíamos Antarcticas enevoadas no Bar Nathalia, em Manaus. Hoje, o poeta vive em Fortaleza.

Desconfio que sou lido também, embora esporadicamente, como acusa correspondência fragmentada, por um dos maiores repórteres do mundo, o premiado jornalista e ensaísta Lúcio Flávio Pinto, que vive em Belém do Pará. Outro escritor amazônida que me lê é o compositor popular, contista, ensaísta e professor universitário, o sociólogo Fernando Canto, de Macapá. Correspondência atesta que meu blog é lido ainda por um dos jornalistas políticos mais lúcidos do país, o romancista Ruy Fabiano, e também pelo ensaísta Jorge da Silva Bessa. Desconfio que o embaixador de Portugal em Paris, Francisco Seixas da Costa, seja meu leitor, e tenho certeza de que o embaixador de Cabo Verde em Brasília, Daniel Pereira, lê meu blog. Esclareço que todos os meus leitores são importantes para mim, especialmente minha gata, Josiane, e minha princesa, Iasmim.

Há os leitores que se ofendem com o que eu escrevo e exigem a retirada de seus endereços eletrônicos da mala direta do blog, principalmente simpatizantes do Lulapetismo.

Este mês, passei a publicar apenas um trabalho por semana. É que dia 9 comecei em um novo emprego: assumi a coordenadoria executiva da Proativa Comunicação, agência brasiliense de porte médio, com clientes do nível da inglesa PricewaterhouseCoopers (PwC), uma das maiores firmas de consultoria e auditoria do mundo, presente em mais de 150 países. As atividades lá tomam toda a semana, de modo que passei a me levantar às 4 horas para trabalhar no meu novo romance. Antes, levantava-me às 5. Então, aos sábados de manhã tenho aula de inglês instrumental e à tarde, quando não me sinto muito cansado, escrevo algo para o blog. Como ontem eu me sentia cansado, escrevo esta crônica neste belíssimo domingo, 26.

Mudamo-nos – Josiane, Iasmim, dona Joana (minha sogra) e eu – no dia 27 de maio da 711 Sul, onde moramos durante 4 anos e 4 meses, para o Cruzeiro Novo. O jardim que cultivávamos na 711 lembrava uma mina de pedras preciosas. Rosas amarelas rebentavam em cachos, fazendo-me lembrar Gabriel García Márquez como a um velho amigo, com quem eu me encontrasse quase todas as noites num bar bem iluminado e me contasse histórias caribenhas. Nas noites muito quentes o jasmineiro chorava Chanel número 5. Plantamos também um pau-rosa e a Josiane cultivava orquídeas. Em novembro, a mangueira defronte de casa ficava prenhe de mangas, doces como seios, e o sabiá cantava desde o fim de agosto até fevereiro.

No Cruzeiro Novo o sabiá também canta na mesma época; começa, a cada dia, sempre em torno das 5 horas e entra pela noite. Na 711 Sul, caminhávamos, Josiane e eu, no Parque da Cidade. Às vezes, eu ia até a Rodoviária do Plano Piloto e retornava caminhando, porque gosto de observar o movimento das ruas. Agora só caminho aos sábados e domingos, explorando o entorno da nova moradia. Vivi no Cruzeiro Velho, o bairro dos cariocas, entre 1987 e 1989, e agora percorro, nas minhas caminhadas, velhos roteiros, e vou lembrando das coisas, como marujo perdido dentro de um nevoeiro.

É que naquela época eu era alcoólatra. Comecei a beber em 1968, com 14 anos de idade, e só parei no réveillon de 2011, quando recusei o tradicional champagne. Então, parte do meu passado jaz sob vapor etílico. Mas a vida é um recomeçar, a cada segundo, e há sempre sol vazando nos jardins de Deus.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A idade da sabedoria


BRASÍLIA, 7 DE AGOSTO 2012 – Eu tinha vinte e poucos anos quando Gilberto Araújo, amigo da minha idade, profetizou que nossa geração, afogada no álcool, só iria alcançar a sabedoria após os 50 anos. Em 1996, o ocultista paraense Erwin Von-Rommel me perguntou se eu acreditava em Deus.
- Sim! – afirmei.
- E o que é Deus para ti? – indagou.
- É a harmonia do universo – respondi-lhe prontamente.
Quando reconheci que alcançaria a sabedoria após os 50 anos não sabia bem o que era isso; talvez pensasse tratar-se de alguém com a vida financeira resolvida, e em 1996, Deus, para mim, era um conceito intelectual. Domingo passado, fui ao Seminário da Luz, da Seicho-no-Ie, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que teve como palestrante o professor Heitor Miyazaki, um iluminado. Durante este seminário, compreendi que sou filho de Deus.
Os astros não se chocam, por causa das leis de atração e de repulsão, da mesma forma que os átomos do nosso corpo. Por quê? A isso os cientistas chamam de lei da gravidade, e também de éter, e eu chamo de Vida, Harmonia, Deus.
Albert Einstein descobriu que a matéria é, de fato, energia, e que o universo funciona por meio de vibrações, que podem ser dissonantes e geram o caos, ou harmônicas, gerando vida. Deus é isso.
Pois bem, estou chegando à sabedoria aos 58 anos de idade, que completo, hoje. Comecei a sentir algo prodigioso, uma espécie de júbilo. Confirmei, por exemplo, que agora vou mais fundo ao mergulhar na mulher amada, desvendando mistérios da natureza feminina, como o desnudar-se das rosas vermelhas ao esplendor da manhã, e cada vez mais nitidamente ouço a música de Mozart no ar, inundando minha alma como Chanel número 5 no corpo de mulheres muito lindas. E quando oro, alço voo cada vez mais em múltiplas dimensões. E já não preciso me esforçar para levantar-me às 5 horas, para escrever, porque, agora, utilizo força mental. O combustível para desenvolvermos força mental é harmonia; suas vibrações têm o poder do primeiro beijo, que contém pureza absoluta, e fé.
Fisicamente, sou comum. A pele começa a ficar engelhada e os músculos se transformam, aos poucos, em gordura. A calva fica maior a cada dia e os dentes já não partem ossos. Contudo, descobri que o mundo físico é apenas uma breve passagem numa dimensão fugaz diante da infinitude do Universo. O fato é que o buraco negro mais gigantesco é nada perante minha mente, pois compreendi que meu Pai é o próprio Criador.

sábado, 7 de julho de 2012

Ponte que liga o Amapá à Guiana Francesa está pronta, mas BR-156 está longe de ser concluída


BRASÍLIA, 7 de julho de 2007 – O mais influente noticioso televisivo do país, o Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou, ontem à noite, um pouco sobre como as coisas costumam funcionar (ou não funcionam) na Amazônia, precisamente no estado do Amapá, no setentrião da costa brasileira, fronteira com a Guiana Francesa, país que a França mantém como colônia na América do Sul.
Em 13 de setembro de 1943, foi criado o Território Federal do Amapá, desmembrando do estado do Pará, e em 1 de janeiro de 1991, foi instalado o estado do Amapá, criado pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Foi nessa época, aliás, que o maranhense Zé Sarney foi eleito pelos tucujus senador vitalício. Sarney deu notoriedade ao Amapá, que só era conhecido como fonte do melhor manganês do mundo, com o qual o governo brasileiro presenteou os americanos, que o estocaram no Tio Sam e deixaram o buracão no município de Serra do Navio.
Pois bem, com 142.814,585 quilômetros quadrados, o Amapá é cortado longitudinalmente pela A BR-156, que liga Macapá, a capital, a Oiapoque, na divisa com a Guiana Francesa. Essa rodovia começou a ser construída nos anos de 1940. Tem cerca de 900 quilômetros, mas apenas 150 quilômetros foram pavimentados. Em quase sete décadas de construção, já enriqueceu muita gente boa e, pelo jeito, ainda vai encher os bolsos de muita gente boa.
Em agosto de 2011, o Brasil concluiu, após dois anos de construção, uma ponte sobre o rio Oiapoque, no valor de R$ 71 milhões, ligando a cidade de Oiapoque (açougue de carne infantil a turistas libidinosos, que atravessam o rio Oiapoque em busca de aventuras que só o Brasil pode proporcionar) a Caiene, a capital da colônia francesa, a 5 quilômetros de Oiapoque. Do lado francês, a rodovia e as instalações alfandegárias estão prontinhas, mas do lado amapaense só há a decrepitude de sempre.
Atualmente, o Amapá está nas mãos da família Capiberibe. O governador, Carlos Camilo Góes Capiberibe (PSB), 40 anos, é filho do ex-governador por 8 anos e agora senador João Capiberibe e da deputada federal Janete Capiberibe, ambos também do PSB. João Capibiberibe não concluiu a BR-156 e Camilo não leva jeito de que vá concluí-la. Esse negócio de que a rodovia é federal, que é preciso se ajoelhar na frente da presidente Dilma Rousseff, ou ir diretamente a Lula, para que a BR seja concluída, é papo furado. Um governador pode muito; é só ter vontade política. É claro que para isso é preciso também ser avesso a patrimonialismo e a nepotismo, e bater de frente contra as gangs que assaltam o Amapá.
A propósito, segundo o jornal O Estado de São Paulo, até junho de 2010, a verba indenizatória dos deputados estaduais do Amapá era de R$ 15 mil mensais; subiu para R$ 50 mil e depois para R$ 100 mil, por sugestão do presidente da casa, Moisés de Souza (PSC), e acolhida por unanimidade. Foi algo tão descarado que as aves de rapina recuaram e baixaram o saque para R$ 50 mil, ainda assim, a maior do Brasil. Os deputados estaduais de São Paulo recebem R$ 13 mil mensais e os federais, R$ 35 mil (houve aumente recentemente, mas ainda está longe de R$ 50 mil). Detalhe: o Amapá é um dos estados mais pobres da federação.
Moisés de Souza é da turma de Zé Sarney. Falar em Sarney, o senador vitalício criou em Macapá uma “zona franca” de quinquilharias que atraiu boa parte da população pobre do Maranhão. Agora, Zé Sarney tem eleitor até para voltar à presidência da República. Lula, que ungiu Sarney como inimputável, que se cuide.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Voo vertiginoso

No meu coração brincam muitas crianças;
Seus risos, ouço-os azuis, a pingar diamantes.
E sinto rosas desabrochando, como vertigem do primeiro beijo,
No ar prenhe de Chanel número 5.
Meu coração respira o sabor da mulher amada,
Cheiro de mar numa tarde de julho.
Meu coração pulsa movido a risos de crianças
A rosas desabrochando
Ao choro de jasmineiros em tórrido anoitecer na Estação das Docas
A madrugadas
A acme que escapa dos lábios da mulher amada,
Secos de gozo, e que ela umidifica com a língua,
Tirando os cabelos do rosto, num gesto intenso.
Meu coração está prenhe do sabor indescritível
Do corpo da mulher amada, que eu ergo, como leão
Abismo de labirintos em que sou conduzido pela luz de uma estrela de outra galáxia,
Inalcançável, mas que cintila nos meus próprios olhos.

sábado, 16 de junho de 2012

Os potentados da Rio+20 não querem o bem da Amazônia; querem seus bens


BRASÍLIA, 16 de junho de 2012 – Os países industrializados não renunciarão à sua escalada econômica e, portanto, ao consumo de combustíveis, até o esgotamento. Nem a população mundial deixará de parir e consumir em escala, incluindo o consumo de luxo. As potências, reunidas neste momento no Rio de Janeiro, não querem o bem da Amazônia; querem seus bens, pois a Hileia é o último reduto do planeta que conta com reservas florestais e de água tão imensos que se os brasileiros a tratarem como o fizeram com a Mata Atlântica, poderá começar uma era de tormentas para a Humanidade. Segundo pesquisa de ponta, o Trópico Úmido funciona como uma espécie de refrigerador da Terra. Sem ele, o efeito estufa tornará o planeta um inferno, porque se a temperatura média do globo aumentar alguns poucos graus acabará o equilíbrio climático e da cadeia alimentar. Daí é só pôr a imaginação para funcionar.

Acontece que todo mundo está torando a Hileia. O governo brasileiro desequilibra o ecossistema com a construção de hidroelétricas. Boa parte dessa energia é utilizada na exportação, a preço de banana, de commodities, como alumina e ferro; fica o buraco. A maior parte das toras roubadas vai para São Paulo. Ao caboclo não resta outro recurso senão torar a floresta também, para vendê-la. E agora?

Que não se espere nada do governo petista, que, desde 2003, só pensa em instalar uma ditadura no Brasil. A Amazônia, para eles, como de resto para 75 milhões de brasileiros, é apenas um matagal cheio de caboclos indolentes. O sistema educacional público brasileiro ensina as crianças a escrever: “Nós vai pescar.” Sintomático. O Brasil só conservará a Amazônia por meio do desenvolvimento sustentável do caboclo. 

O governador do Pará, Simão Jatene, e o deputado federal Zenaldo Coutinho, também tucano paraense, levaram para a Rio+20 a solução: o Programa Municípios Verdes, com desmatamento zero, que começou em 23 de março de 2011 no município de Paragominas (PA) e hoje está presente em 94 municípios paraenses e em alguns de outros estados da Amazônia. A alma do programa foi o pacto social que o governo paraense firmou com o governo federal, administrações municipais, Ministério Público, empresários, produtores e outras instituições representativas de setores produtivos, visando promover o desenvolvimento econômico paraense ao mesmo tempo em que busca atingir desmatamento zero.

O programa se firma no tripé: Sistema Agroflorestal; agregação de tecnologia à agropecuária; e plantação de árvores nativas, numa escala de 10 milhões por ano. O Sistema Agroflorestal apresenta-se como o melhor modelo de agricultura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Trata-se de agricultura com silvicultura. Além dos diversos vegetais conviverem harmonicamente entre si e com a floresta, geram safra de diferentes produtos o ano inteiro. “Constitui-se, assim, numa fábrica de florestas produtivas, repovoando áreas degradadas e gerando sustento o ano todo” – observa Zenaldo Coutinho.

Os países industrializados já ocuparam a Amazônia há muito tempo. Por exemplo: não levam mais bauxita, mas alumina, com energia de Tucuruí agregada, e sempre a troco de banana. Collor de Mello, o ex presidente daquilo roxo, criou a reserva Ianomâmi – etnia que seria forjada pelos ingleses -, do tamanho de Portugal e na tríplice fronteira, em litígio, Brasil, Venezuela e Guiana, na maior e mais rica província mineral do planeta. Pois bem, já há manifestação na Organização das Nações Unidas (ONU) para torná-la nação independente do Brasil. Agora, o ex-presidente Lula, aquele que tem ojeriza por leitura, criou outra reserva imensa em Roraima, a Raposa e Serra do Sol, onde só vivem índios aculturados, os quais, antes da reserva, comiam arroz plantado pelos arrozeiros. Nem isso têm agora.

É fácil ocupar o Brasil de fato (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Basta bombardearem Itaipu, Tucuruí e mais duas ou três hidrelétricas, para invadir o país quase sem resistência. Não temos navios de guerra nem submarinos, nem caças, muito menos mísseis. Agora, invadir a Amazônia é outra história. Os Estados Unidos não enfrentariam a pedreira que seria ocupar a Amazônia numa guerra. Contamos com o maior exército de guerra na selva do planeta. A indiarada cairia sobre os grigos como pium.

Em fevereiro de 2005, entrevistei para o site ABC Politiko o mentor da Doutrina Brasileira de Guerra na Selva, o coronel do Exército Gelio Fregapani, que serviu à força durante quatro décadas, quase sempre ligado à Amazônia, tendo fundado e comandado o Centro de Instrução de Guerra na Selva. Há mais de três décadas, vem observando a atuação estrangeira na Amazônia, o que o levou a escrever Amazônia - A grande cobiça internacional (Thesaurus Editora, Brasília, 2000, 166 páginas). Ele me disse que a Amazônia será ocupada, “por nós, ou por uma ou mais potências estrangeiras”.

A observação de Fregapani reflete outro ponto de vista sobre a questão amazônica, o de que o problema crucial da Amazônia é que ela ainda não foi devidamente ocupada pelos brasileiros. Por isso, é ledo engano supor que a região pertence de fato ao Brasil. Será, sim, do Brasil, quando for desenvolvida por nós e devidamente guardada. Daí porque às potências estrangeiras não interessaria o desenvolvimento da Amazônia. Aos Estados Unidos, Inglaterra, Japão e China, principalmente, interessa manter os cartéis agrícola e de minerais e metais. Exemplos: a soja da fronteira agrícola ameaça a soja americana; e a exploração dos fabulosos veios auríferos da Amazônia poriam em cheque as reservas similares americanas e poderia mergulhar ainda mais o gigante em recessão. Assim, despovoada, subexplorada e subdesenvolvida, não há grandes problemas para a ocupação estrangeira da região. Estrangeira e de Brasília.

A ocupação estrangeira da Amazônia começou com os portugueses e espanhóis, com armas. Agora, é Brasília quem coloniza a Hileia, subtraindo dela energia elétrica e minerais, que vende a preços vis e ainda fica com o dinheiro, ou fecha os olhos para as quadrilhas que toram a floresta e a transportam para São Paulo e países ricos, e ignora as Vales da vida, que só deixam buraco, e os piratas que saqueiam a Amazônia Azul. O planeta inteiro está sedento por fazer da Amazônia o que a Europa fez da África.

O Fundo Amazônia conta com US$ 1 bilhão, principalmente ofertados pela Noruega. O gestor do Fundo é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que gastou apenas, até agora, menos de US$ 100 milhões, enquanto projetos como o Plano Amazônia Sustentável, do governo federal (diga-se, PTMDB), não saiu do gogó. Será que estão gastando o dinheiro do Fundo Amazônia com o pilantra do Hugo Chávez?

Aqui, uma sugestão: que os países que contribuem para com o Fundo Amazônia tirem a dinheirama das mãos do governo federal e o repassem diretamente para um conselho formado por todos os governadores da Amazônia e os presidentes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Tribunal de Contas da União e da Federação Nacional dos Jornalistas, com metas claras. E se algum membro do conselho for flagrado roubando, que seja jogado aos jacarés.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Brasília, agora


BRASÍLIA, 11 de junho de 2012 - A praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping ao lado da Rodoviária do Plano Piloto, é enorme. À noite, uma de suas extremidades se transforma na Praça do Pau Mole. Reconheço o palavrão e peço desculpas, mas é esse nome mesmo. Seus frequentadores são velhos libertinos que já sem o viço da juventude perambulam por lá, como almas penadas, atrás de potrancas e potros que os ajudem a alimentar a esperança, agônica, de alcançar o acme.
Há também outra sorte de frequentador: viúvas da Ditadura dos Generais. São oficiais, e até suboficiais, de pijama, chorando o leite derramado, a farra de militares e policiais que durou 21 anos. Reconheço que o Golpe Militar de 1964 foi necessário para extirpar o mesmo tipo de ditadura que destruiu Cuba e agora destrói a Venezuela, mas os militares ficaram tempo demais, destruíram a educação pública e fizeram uma ocupação equivocada da Amazônia, até Ulysses Guimarães comandar a Revolução de 1985. O estrago estava feito. Quis-se consertar tudo com a Constituição de 1988. Utopia.  Contudo, hoje, vige a democracia, que é como um pugilista no ringue, agora lutando contra um boneco com cara de pau, narigudo e sem um dedo.
Outro dia, encontrei um conhecido meu, que nos anos 90 era um empresário de sucesso, hoje na bancarrota. Gosto dele, e para entabular conversa perguntei-lhe como iam as coisas. Desencantado, e mesmo sem esperança, disse-me que as pessoas já não leem mais e que Brasília cresceu muito e desordenadamente.
A propósito dessa questão de ler, tenho encontrado muita gente preocupada em que o livro desapareça, e também tenho visto na mídia bastante espaço dedicado ao “desaparecimento” do livro. Ora, a geração de hoje lê diretamente ao computador domiciliar ou portátil. E vai chegar um tempo em que o livro de papel desparecerá mesmo, assim como os papiros. Quanto a mim, que estou com 57 anos, tenho uma pilha tão grandes de livros para ler e outra bem maior para ler de novo que se pudesse me dedicar desde agora 12 horas por dia somente lendo ainda ficaria uma infinidade de livros que eu gostaria muito de ler.
Conheço outro empresário que é dono de jornal. Já faz alguns anos, ele me convidou para dirigir a redação do seu semanário, que se chamava Jornal Brasília Agora. Assim que assumi, convenci-o a tirar o “jornal” redundante e a deixar Brasília Agora, que é, na minha opinião, o melhor título de semanário da capital da República, depois de Correio Braziliense, que é diário, foi o primeiro jornal brasileiro e é um dos 15 maiores do país.
Expliquei a ele que daria início a uma linha editorial paralela à Brasília, agora: uma cidade grande, que deixou de ser quintal de São Paulo, com vida cultural e noturna intensa, grandes museus, e que aos poucos vai deixando o jeito jeca das cidades do interior do continente tupiniquim. De modo que me reuni com a equipe (pequeníssima, mas competente) e instituí outra mudança: um caderno com a programação cultural da cidade.
A meio do caminho, mexi na diagramação do jornal, que é pré-diagramado. O dono, diagramador, ficou uma fera. Telefonou-me e despejou sua fúria no meu ouvido. As palavras fustigavam mais de 30 anos de experiência, como repórter, redator e editor. Porém ele tinha razão. Apenas não sou o tipo de editor que faz o que o dono quer, mas o que, como profissional, acho que devo fazer. Entretanto, eu estava determinado a, mais adiante, acabar com a pré-diagramação do jornal, pois parecia sempre a mesma edição, semana após semana. Mas antes disso, para conter despesas, fui demitido.
Engessamento é precisamente o problema de Brasília, que, apesar de Patrimônio Cultural da Humanidade, vai, aos poucos, como água minando, crescendo e se modernizando. Engessar Brasília foi um erro, mas agora não se pode mais chorar o leite derramado. Se Brasília tivesse um sistema de transporte público de Primeiro Mundo, tudo bem, mas do jeito que é, como a maioria das cidades do país, engessar uma área grande e importantíssima como o Plano Piloto é falta de senso; de planejamento, no mínimo. Tem muita gente que ainda tenta ver o desenho de um avião nas luzes do Plano Piloto.
Brasília não é mais da turma do pau mole. É pós-moderna. Como de resto acontece nas zonas metropolitanas do país, nada funciona direito no Distrito Federal, e só de se ver a violência na televisão a pessoa fica apavorada. Há fim de semana, no DF, que matam 15. Isso, porém, é reflexo dos dirigentes. Desde 2003, o Brasil vem descendo uma ladeira, e agora o freio está gasto. O único governante de Brasília que parecia estar pondo a cidade em ordem, José Roberto Arruda, foi preso por chefiar uma roubalheira amazônica. Agora, temos Agnelo Queiroz, ex-comunista e atualmente petista (tudo farinha do mesmo saco). Recebeu o apelido de Agnulo. Se administrou algo, desde quando assumiu, em 2011, foi sua casa, que não é pública e que portanto está fora de questão.
Mas o país vem sendo passado a limpo. Não há mentira que dure para sempre e os ditadores sempre caem, ou mortos a balaço ou bomba, ou por doença. O Mensalão será julgado, mesmo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o povão, mesmo aqueles que recebem para se embalar na rede e inchar os tornozelos, já começa a ficar desconfiado com esse negócio de que até quem não lê pode chegar a presidente da República, ao ver sua prole crescendo como porquinhos. Brasília, agora, deixou de ser, definitivamente, a do pau mole.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Amazônia rumo à Rio+20


BRASÍLIA, 23 de maio de 2012 – Único deputado da bancada do estado do Pará a Representar a Câmara na Rio+20, Zenaldo Coutinho (PSDB) levará para a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontecerá de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro – uma questão que vem inquietando os governadores da região: o Fundo Amazônia, criado em 2009, para financiar projetos sustentáveis na Hileia, com dinheiro de países desenvolvidos, oriundo, até agora, principalmente da Noruega. O governo norueguês se comprometeu a doar US$ 1 bilhão e já assinou contratos com o BNDES no valor de US$ 418 milhões, disponíveis no Banco Central da Noruega. A Alemanha doou ao fundo US$ 27,2 milhões. A Petrobras doou US$ 4,2 milhões.

No total, o Fundo Amazônia já recebeu em torno de R$ 830 milhões em doações, mas desembolsou apenas cerca de R$ 70 milhões, até agora, para financiar 23 projetos aprovados e contratados. Foram contratados, nesse mesmo período, R$ 260 milhões.

“Já conversei com vários interlocutores de outros países e é geral o sentimento de frustração em razão da inação do governo brasileiro. Apesar da disponibilidade financeira já alocada, o governo mostra incapacidade de implementar políticas de atendimento ao princípio da razão da existência do fundo: proteção da floresta e desenvolvimento da qualidade de vida dos povos da região. Ora, se nós não conseguimos aplicar ainda 30% do que foi destinado em 2009, como podemos tentar ampliar a captação de recursos com os antigos e novos parceiros se não conseguimos nem implementar essas políticas?” – adverte Zenaldo Coutinho. “Com um montante de recursos desses parados, caberia ao BNDES criar uma equipe técnica para orientar as prefeituras e os Estados que têm projetos. Jamais recusar os projetos por detalhes técnicos.”

O tema, fundamental para o desenvolvimento sustentável dos povos da Amazônia, será embasado pelo seminário Povo e Floresta: Amazônia Sustentável – Rumo à Rio+20, que a Frente Parlamentar em Defesa da Amazônia e do seu Povo – presidida por Zenaldo Coutinho – realiza, dia 30 de maio, uma quarta-feira, das 14 às 19h30, no Auditório Antônio Carlos Magalhães, do Interlegis, Anexo E do Senado Federal, na Via N-2, atrás do Ministério da Justiça. O seminário enfocará cinco temas básicos: Defesa do meio ambiente e qualidade de vida; Ciência, tecnologia e identificação de modelos sustentáveis e financiamento - Fundo Amazônia; PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Amazônia; Programa Amazônia Sustentável; e Programa Municípios Verdes. 

A Amazônia é a maior floresta tropical e bacia fluvial do planeta, com 7 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 5,5 milhões cobertos pela mata (60% no Brasil). Representa mais da metade das florestas tropicais, a maior biodiversidade e 16% da água dos rios do globo. Para que esse tesouro não seja destruído, é necessário, em primeiro lugar, que os povos que moram na Amazônia contem com condições socioeconômicas, para se tornarem prósperos e, assim, preservarem o meio onde vivem. Nesse contexto, há vários e importantes projetos prontos para serem implementados, mas o dinheiro retido no BNDES faz falta. 

MUNICÍPIOS VERDES E SISTEMA AGROFLORESTAL – O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), apresentará no seminário a visão dos governadores da região, baseada basicamente em dois modelos, um deles já implementado no Pará. No dia 23 de março de 2011, o governo paraense começou a mudar o quadro de devastação no estado dando início ao modelo econômico sustentável Programa Municípios Verdes. Foi firmado um pacto entre o governo do estado, o governo federal, administrações municipais, Ministério Público, empresários, produtores e outras instituições representativas de setores produtivos, para promover o desenvolvimento econômico paraense ao mesmo tempo em que busca atingir a meta de desmatamento zero.

“A expansão da agropecuária e da atividade madeireira ilegal e predatória, motrizes de desenvolvimento no estado do Pará – considerada uma das regiões com a maior biodiversidade do planeta -, impulsionou nas últimas décadas um desmatamento intenso. A articulação das principais diretrizes de governo, voltadas para a redução do desmatamento e a degradação ambiental, às peculiaridades dos problemas de cada município, torna-se necessária para a promoção da melhoria da governança pública municipal com foco no desenvolvimento econômico e social através do uso sustentável e conservação dos recursos naturais. Este programa propõe promover uma economia de baixo carbono e alto valor agregado, melhorar a governança pública municipal e reduzir desmatamento e degradação” – diz o site Municípios Verdes.

O outro modelo é o agrofloestal. Segundo a Wikipédia, “Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal é um sistema que reúne as culturas agrícolas com as culturas florestais, resultante da prática de estudo de agrossilvicultura, plantações de florestas para suprir as necessidades do homem. Usa a dinâmica de sucessão de espécies da flora nativa para trazer as espécies que agregam benefícios para o terreno, assim como produtos para o agricultor. A agrofloresta recupera antigas técnicas de povos tradicionais de várias partes do mundo, unindo a elas o conhecimento científico acumulado sobre a ecofisiologia das espécies vegetais e sua interação com a fauna nativa”. Para Zenaldo Coutinho o Sistema Agroflorestal “é uma fábrica de florestas econômicas, repovoando áreas degradadas e gerando sustento o ano inteiro”.

“Sistema Agroflorestal é a agricultura voltada para a preservação ambiental” – define o diretor da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), Ivan Hitoshi Siaki, um dos palestrantes do seminário Povo e Floresta: Amazônia Sustentável – Rumo à Rio+20. A Camta, no município de Tomé-Açu, no Pará, é um dos empreendimentos sustentáveis de maior sucesso na Amazônia.

PLANO AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL – O economista e amazonólogo Juarez Baldoino da Costa, um dos palestrantes do seminário, abordará a questão do Plano Amazônia Sustentável (PAS), coordenado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos do governo federal, envolvendo 21 ministérios, 8 secretarias especiais, 9 governos estaduais e a Casa Civil da presidência da República, mas que ainda não saiu do papel. O pesquisador analisará três macro-regiões: ao sul da Amazônia, na área denominada Povoamento Adensado ou Arco do Desmatamento; a segunda, a nordeste da região, no entorno da Terra do Meio, no Pará, com pressão humana menor que no Arco do Desmatamento; e a terceira, na parte ocidental, desde o Alto Rio Negro, a região mais preservada da Amazônia.

Nesse contexto, ele abordará também a questão do Fundo Amazônia Sustentável. “Criado em 2009, prevê recursos de países doadores e outras entidades com a finalidade de reduzir o desmatamento e a degradação de florestas, além da utilização sustentável dos recursos do bioma. Os acordos com a Noruega atingem 2,5 milhões de coroas norueguesas a serem aportados, e que devem ser utilizados até 2015 pelo Brasil, exclusivamente na diminuição da emissão de gases oriundos do desmatamento, mesma diretriz do acordo com a Alemanha. Os desembolsos até agora para projetos aprovados totalizaram US$ 44 milhões” – contabiliza o pesquisador.

METAS DO MILÊNIO NA PAN-AMAZÔNIA – Cofundador e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Adalberto Veríssimo, engenheiro agrônomo pós-graduado em ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia, EUA, apresentará no seminário Povo e Floresta: Amazônia Sustentável – Rumo à Rio+20, estatísticas dos 9 países amazônicos no contexto do Projeto do Milênio, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2002, como plano de ação para reverter, até 2015, o quadro de pobreza, fome e doenças que afetam bilhões de pessoas.

O estudo feito na Amazônia Internacional mostra que nos 9 países que a compõe a porção amazônica desses países é sempre a mais pobre. Assim, a meta, até 2015, na Amazônia, é reduzir pobreza e mortalidade infantil, melhorar as condições de saúde materna e investir em educação, proteção ambiental e saneamento básico.

O Fundo Amazônia pode ser um começo.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

RIO+20/BNDES retém mais de meio bilhão de reais do Fundo Amazônia. Por quê?


A Hileia em chamas. O Fundo Amazônia pode impedir esse cenário, mas
o BNDES não solta o dinheiro, doado principalmente pela Noruega

BRASÍLIA, 17 de maio de 2012 – Em matéria publicada dia 13, em O Liberal, “Inércia ataca Fundo para a Amazônia”, o correspondente do jornal belenense em Brasília, Thiago Vilarins, registra: “O Fundo Amazônia, gerido pelo Banco do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já recebeu cerca de R$ 830 milhões em doações, mas desembolsou apenas cerca de R$ 70 milhões até agora para financiar 23 projetos aprovados e contratados; foram contratados, nesse mesmo período, R$ 260 milhões”. Enquanto isso, a floresta continua sendo torada, destruição inclusive filmada por satélite. E a dinheirama, dada principalmente pela Noruega, é um mistério. Onde está entocado esse dinheiro? Por que o BNDES não o utiliza para minimizar a miséria na Amazônia?

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 para financiar projetos sustentáveis na Hileia, com dinheiro de países desenvolvidos, principalmente da Noruega. O governo norueguês se comprometeu a doar US$ 1 bilhão para o Fundo Amazônia e já assinou contratos com o BNDES no valor de US$ 418 milhões, disponíveis no Banco Central da Noruega. A Alemanha doou ao fundo US$ 27,2 milhões. A Petrobras doou US$ 4,2 milhões. Os brasileiros podem até não querer saber se o dinheiro da Petrobras é ou não bem utilizado, mas segundo matéria veiculada pela agência de notícias Reuters, a imprensa da Noruega quer saber se o dinheiro norueguês está sendo realmente aplicado na Amazônia. Não está. 

“Já conversei com vários interlocutores de outros países e é geral o sentimento de frustração em razão da inação do governo brasileiro. Apesar da disponibilidade financeira já alocada, o governo mostra incapacidade de implementar políticas de atendimento ao princípio da razão da existência do fundo: proteção da floresta e desenvolvimento da qualidade de vida dos povos da região. Ora, se nós não conseguimos aplicar ainda 30% do que foi destinado em 2009, como podemos tentar ampliar a captação de recursos com os antigos e novos parceiros se não conseguimos nem implementar essas políticas?” – disse a O Liberal o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Amazônia e do seu Povo, deputado federal Zenaldo Coutinho, do PSDB do Pará. “Com um montante de recursos desses parados, caberia ao BNDES criar uma equipe técnica para orientar as prefeituras e os Estados que têm projetos. Jamais recusar os projetos por detalhes técnicos” – adverte.

RIO+20 – Zenaldo Coutinho tem missão importante para a Amazônia na Rio+20, que é mostrar que há dinheiro suficiente para implementar programas sustentáveis em toda a Amazônia e sustar a destruição do que os amazônidas tem de mais precioso: a floresta. Ora, se há dinheiro e capacidade técnica e tecnológica para a implementação desses programas, qual é o problema? E o Plano Amazônia Sustentável (PAS), do governo federal, que sequer saiu do papel? Do mesmo modo, o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó, de 2007, que envolve 13 ministérios, também não saiu do papel. Por quê? Parece claro que se os amazônidas não se mexerem, utilizando os foros certos para denunciar o descaso do próprio governo brasileiro para com a Amazônia, não há dúvida, a maior floresta tropical do planeta virará savana. 

Assim, a Frente Parlamentar em Defesa da Amazônia, da qual Zenaldo Coutinho é presidente, realiza o seminário Povo e Floresta: Amazônia Sustentável, dia 30, das 14 às 19h30, no auditório Antônio Carlos Magalhães, do Interlegis, anexo do Senado Federal, quando serão debatidos temas cruciais para o desenvolvimento sustentável das populações que vivem na Hileia, como o projeto Municípios Verdes, de desmatamento zero, que o governo do Pará implementa desde o ano passado; a implementação do Plano Amazônia Sustentável; e o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) da Amazônia, empacado. Zenaldo Coutinho levará o documento gerado pelo seminário para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontecerá de 13 a 22 de junho, no Rio de Janeiro.

Também participará, dia 18 de junho, do debate Cidades Sustentáveis, dentro da Rio+20, que culminará com o lançamento oficial da iniciativa Sou um Transformador Urbano (I’m a City Changer), movimento global de sensibilização sobre as ações positivas que tiveram impactos na vida das pessoas em áreas urbanas. Dias 17 e 19 de junho, Zenaldo Coutinho participará ainda da Cúpula Parlamentar Mundial de Legisladores, da Organização Global de Legisladores para um Meio Ambiente Equilibrado (Globe International), com o objetivo de conduzir os compromissos internacionais de sustentabilidade para a legislação nacional.

MUNICÍPIOS VERDES E SISTEMA AGROFLORESTAL – O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), apresentará, no Seminário Povo e Floresta: Amazônia Sustentável, a visão dos governadores da região, baseada basicamente em dois modelos, um deles já implementado no Pará. No dia 23 de março de 2011, o governo paraense começou a mudar o quadro de devastação do estado, dando início ao modelo econômico sustentável Programa Municípios Verdes. Foi firmado um pacto entre governo do estado, o governo federal, administrações municipais, Ministério Público, empresários, produtores e outras instituições representativas de setores produtivos para promover o desenvolvimento econômico paraense ao mesmo tempo em que busca atingir a meta de desmatamento zero.

“A expansão da agropecuária e da atividade madeireira ilegal e predatória, motrizes de desenvolvimento no estado do Pará – considerada uma das regiões com a maior biodiversidade do planeta -, impulsionou nas últimas décadas um desmatamento intenso. A articulação das principais diretrizes de governo, voltadas para a redução do desmatamento e a degradação ambiental, às peculiaridades dos problemas de cada município, torna-se necessária para a promoção da melhoria da governança pública municipal com foco no desenvolvimento econômico e social através do uso sustentável e conservação dos recursos naturais. Este programa propõe promover uma economia de baixo carbono e alto valor agregado, melhorar a governança pública municipal e reduzir desmatamento e degradação” – compromete-se o governo paraense no site Municípios Verdes.

O outro modelo é o agrofloestal. Segundo a Wikipédia, “Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal é um sistema que reúne as culturas agrícolas com as culturas florestais, resultante da prática de estudo de agrossilvicultura, plantações de florestas para suprir as necessidades do homem. Usa a dinâmica de sucessão de espécies da flora nativa para trazer as espécies que agregam benefícios para o terreno, assim como produtos para o agricultor. A agrofloresta recupera antigas técnicas de povos tradicionais de várias partes do mundo, unindo a elas o conhecimento científico acumulado sobre a ecofisiologia das espécies vegetais e sua interação com a fauna nativa”.

Zenaldo Coutinho vê a Agrofloresta como uma “fábrica de florestas econômicas”, para repovoar as áreas degradadas da Hileia e gerar sustento o ano inteiro para as populações, por meio da agropecuária e silvicultura. Este, por exemplo, é um excelente projeto para ser financiado, e fiscalizado, pelo Fundo Amazônia. Só falta o BNDES cumprir sua missão.