quinta-feira, 15 de março de 2012

CONTO/Nostalgia

Queria andar. A cidade estava calma como sempre. Sentiu fome e entrou num restaurante suburbano. O garçom era um velho magro e acabrunhado, e pela janelinha de passar comida viu outro velho, gordo, a picar alguma coisa. O restaurante era sujo e malcheiroso. Isaías foi embora. Apanhou um táxi e pediu ao motorista que o levasse a um restaurante limpo e alegre. O restaurante Samurai era um prédio de dois andares, sujo e fedorento, quente e mal iluminado, barulhento, e os garçons lembravam urubus espreitando carniça. Saiu. Caminhou lentamente e encontrou uma zona de casas noturnas, mas nenhuma era como estava querendo. Até que topou com a luz que vinha de uma casa, cercada por uma sebe de cróton. Era amarela, recentemente pintada. Fora uma residência e agora era um bar, com tudo bem arrumado e limpo e bem iluminado. Sob a marquise, uma moça e dois rapazes batiam papo. Fluía Monday, Monday, numa cuidada orquestração.
- Boa noite, senhora – disse Isaías à japonesa que o atendeu. Ela o saudou e ele pediu uma cerveja Antarctica. A garrafa estava enevoada e a taça muito limpa. – Dê-me também um sanduíche de filé.
Um rapaz, que só falava em japonês com a velha senhora, começou a preparar o sanduíche. Fazia-o de maneira tão correta que Isaías entreteve-se a vê-lo.
- É muito agradável sua casa, senhora.
- Oh! Muito obrigada! Muito obrigada!
- Se não viajasse amanhã viria mais vezes aqui.
- O senhor não é daqui?
- Sou. Meu pai faleceu e eu vim por isso. Ele foi um dos pioneiros de Macapá.
Enquanto bebia, pensava no pai. Tinha muito charme quando atirava. Nunca perdia um tiro. Quando ele morreu, há muito que Isaías morava em Manaus; isso atenuou o choque causado pela morte do pai. A moça e os dois rapazes haviam saído. A moça era bonita e Isaías desejou tê-la consigo. O japonês começou a arrumar as mesas e esperava para varrer. A mulher pediu desculpa e Isaías também pediu desculpa, pagou e saiu. A noite era um navio à espera num bar qualquer da cidade.


Nostalgia integra o livro de contos A grande farra (edição do autor - Ray Cunha -, Brasília, 1992, 153 páginas, esgotado

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