BRASÍLIA, 7 DE
OUTUBRO DE 2014 – O deputado
fluminense Sergio Zveiter (PSD) tentou, este ano, emplacar na Câmara o Projeto
de Lei (5.692/2013) de Proteção das Riquezas da Amazônia, que revela, de forma
inequívoca, o que a Amazônia representa para os governos que se sucedem em
Brasília: mera colônia, onde, basicamente, busca-se energia hidrelétrica e o
equilíbrio da balança comercial com a exportação de minérios, numa política de
grandes projetos na Amazônia, e nunca para os amazônidas. Outro motivo do
desprezo pelo subcontinente úmido seria o tamanho e a inexpressividade da
bancada amazônica no Congresso Nacional, de amazônica só no nome, pois se
comparada a apenas à bancada do estado de São Paulo já se vê claramente que
tipo de república é o Brasil.
Mas o que tem de tão grave o projeto de Zveiter, ex-secretário
de estado do Rio em várias pastas e ex-presidente da Ordem dos Advogados,
seccional fluminense? Cria o Conselho Nacional de Política da Amazônia, a
Agência Nacional de Exploração dos Recursos Naturais da Amazônia (Anra) e a
Companhia da Amazônia Brasileira SA (Amabras), sociedade de economia mista para
exploração da Amazônia. Isto é: amarra juridicamente a colônia que o Trópico Úmido
já é. Quem explora para valer a Amazônia é a União. Os amazônidas ficam a ver
navios singrando o Amazonas/Solimões.
No Capítulo V – Da Exploração e da produção, por exemplo,
lê-se: “Todos os direitos de exploração e produção dos recursos naturais da
Amazônia, nele compreendidos a parte terrestre e a bacia hidrográfica,
pertencem à União, cabendo sua administração à Anra, ressalvadas as
competências de outros órgãos e entidades expressamente estabelecidas em lei”.
A justificativa de Zveiter foca num fato: as potências
hegemônicas não descansarão até pôr as garras na Amazônia, a maior província de
commodities do planeta, seja reconhecendo por meio da Organização das Nações
Unidas (ONU) algumas das gigantescas reservas indígenas como nações, ou, se
necessário, por meio de armas. No Brasil, em vez de se implementar cidadania
para os índios, os governos que se sucedem os isolam cada vez mais,
entregando-os, de bandeja, para os países hegemônicos. E também desde a
derrocada da Ditadura dos Generais (1964-1985) que os governos que se sucedem
vêm desmontando as Forças Armadas. Bem ou mal, foram os militares que contribuíram
para aumentar o povoamento na região.
Só para dar uma amostra do descaramento de como se manifesta
a cobiça internacional pela Amazônia, em 1991, François Mitterrand, então
presidente da França, a mesma que já tem uma colônia na Amazônia, a Guiana
Francesa, sugeriu soberania restrita do Brasil sobre a região amazônica, com
apoio de George Bush, dos Estados Unidos; e de Mikhail Gorbachev, da falida
União Soviética (que Putin tenta reviver).
Nisso Zveiter tem razão. Se não tomarmos cuidado, acabaremos
perdendo a Amazônia. E se for para os Estados Unidos, muitos ficarão felizes
por se tornarem cidadãos de um protetorado americano e com a possibilidade de
até tomarem caxiri com Brad Pitt e Angelina Jolie. Só que pelo jeito a União
não vai desenvolver a Amazônia; vai exauri-la. Somente investimentos maciços e
nunca descontinuados é que poderão desenvolver os povos da Grande Floresta,
além de investimentos pesados nas Forças Armadas, na Polícia Federal e nas
instituições de ensino e pesquisa da região.
O projeto de Zveiter fala, basicamente, em exploração das
riquezas da Amazônia; nunca em desenvolvimento sustentável, isto é,
desenvolvimento dos amazônidas. Muito menos de res publica. É como se não houvesse estados nem municípios na
Amazônia; a Hileia surge, no mapa de Zveiter, como território federal.
Pois bem, o que dizem os candidatos à presidência da República, a petista Dilma Rousseff e o tucano
Aécio Neves, sobre a Amazônia? Nada! Assim, danem-se a BR-156, no Amapá, a
Perimetral Norte, Amapá-Roraima; a BR-319, Amazonas-Rondônia; a Hidrovia
Marajó, Pará-Amapá; energia elétrica firme para tirar a Amazônia da Idade-Média;
o saneamento básico das cidades da Hileia; o pagamento justo e atualizado de
commodities sobre a exportação de minérios; a fiscalização do garimpo ilegal,
da grilagem, do desmatamento de terra arrasada, da bacanal das ONGs
estrangeiras; o combate ao narcotráfico das Farcs e da Bolívia, e do
bolivarianismo venezuelano; viva a corrupção do Mercosul!; dane-se o Projeto Calha
Norte; viva a pirataria nas costas do Amapá, a maior província piscosa do
planeta etc. etc. etc.
Até agora, nem Dilma nem o tucano se manifestou
para falar sobre o Trópico Úmido; tampouco algum político, ou alguma
instituição, promoveu debate com ambos sobre a Amazônia. Aqui em Brasília, onde
se ouve, vê e faz no Rio de Janeiro e em São Paulo, é como se a Amazônia não
existisse. Dia 5, por exemplo, quando os craques da Globo News cobriam a
apuração das urnas, a Amazônia aparecia nos seus comentários como outro país,
como, aliás, era de direito e continua a ser de fato.
O CORAÇÃO DAS TREVAS –
A Amazônia é um paradoxo. O mais belo realismo fantástico da Terra, a mais
rica província mineral do mundo, a maior diversidade biológica do planeta, é
também O coração das trevas,
obra-prima de Joseph Conrad; uma zona imprecisa da alma. Esse pequeno romance
de pouco mais de 150 páginas, o mais intenso de todos os relatos que a
imaginação humana jamais concebeu, como disse o labiríntico Jorge Luís Borges, recria
um mundo obsceno como ataque de hienas, como a face obscura da Amazônia, o
Inferno Verde, o latejar da escuridão, espasmos da alma amazônida, a loucura e
o malogro da civilização colonialista.
A Amazônia é saqueada desde o século XVI. Potências europeias,
americanos, brasileiros de todos os recantos do país, inclusive os governos
federais, um após outro, todos têm repasto garantido na Amazônia. Nos dias de
hoje, leva-se, de lá, a floresta, energia hidrelétrica, minérios, pedras
preciosas, animais, mulheres e crianças; é uma das regiões onde mais se
escraviza no mundo. Até agora, o desenvolvimento imposto à Amazônia é para
dizimar os amazônidas – índios, ribeirinhos, caboclos, quilombolas – e encher
os cofres de políticos que transformam o erário em lavanderia. Os presidentes
da República que se sucedem governam de costas para a Amazônia, tratando-a como
colônia, e colônias servem para serem saqueadas.
Um caso que aconteceu em novembro de 2007, em Abaetetuba, cidade
no quintal de Belém, constitui-se uma metáfora da Amazônia. Delegados da
Polícia Civil do Pará, com a conivência de gente do Judiciário, atiraram uma
menina a dezenas de criminosos na cadeia da cidade. Essa criança foi currada
dia após dia, durante um mês. Assassinos, estupradores, espancadores de
mulheres e crianças, ladrões, arrombadores, batedores de bolsa de velhinhas,
psicopatas, drogados, caíram em cima da garotinha como hienas, e os policiais,
ali perto, ouvindo e vendo tudo.
Os berros de terror eram ouvidos pelos delegados e pelos
moradores da cidade, já que a delegacia era um prédio velho praticamente aberto
para a rua, e ninguém moveu uma palha pela menina. “Minha filha tinha cabelos
lindos e encaracolados que iam até o meio das costas” – disse a mãe da jovem.
“Cortaram o cabelo dela com um terçado (facão) para disfarçar que se tratava de
uma menina. Cortaram é modo de dizer, escalpelaram a minha filha.” O tempo
todo, L ficou com as roupas que usava ao ser presa, uma saia curta e blusinha,
cobrindo seios adolescentes. Ela media 1,40 metro. “Aqui, no Pará, colocar
homem e mulher na mesma cela é mais comum do que se imagina” – disse, na época,
frei Flávio Giovenale, bispo de Abaetetuba. Há caso de atirarem uma mulher a 70
presos.
“Era um show isso daqui. Todo mundo sabia que a menina
estava lá no meio daqueles homens todos, mas ninguém falava nada” – disse uma
mulher na delegacia a jornalistas. “Antes de comer, os presos se serviam dela”
– afirmou outra mulher, explicando que a menina só comia se não dificultasse a
curra. “Ela gritava e pedia comida para quem passava, chamava a atenção para
si, e, como ela era conhecida por aqui, não dava para ignorar” – afirmou outra
mulher, explicando que era possível ver e ouvir da rua muito do que se passava
na delegacia.
Seis delegados estiveram na delegacia durante o suplício da
jovem. A delegada plantonista responsável pelo flagrante foi Flávia Verônica
Monteiro e o delegado titular de Polícia de Abaetetuba, Celso Viana. “Embora
ela estivesse misturada com os homens, o setor onde ela estava é aberto e
permite uma ampla visão de qualquer policial” – declarou o próprio delegado
Celso Viana. Flávia Verônica Pereira e três policiais tinham conhecimento dos
estupros. Nada fizeram. E policiais ameaçaram a menina de morte se não
participasse de fraude em cartório para alterar-lhe a idade na certidão de
nascimento.
O delegado Celso Viana alegou em depoimento que a
adolescente disse ser maior de idade e afirmou que a responsabilidade da prisão
da menor seria do sistema penal; a delegada Flávia Verônica Monteiro afirmou
que foi enganada ao ver o documento falso da jovem, indicando que ela tinha 20
anos. Flávia disse ainda que não transferiu a adolescente da delegacia para
outra instituição porque esse procedimento só poderia ser feito com ordem
judicial.
Em 27 de novembro de 2007, durante audiência pública na
Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, o então delegado-geral do
estado do Pará, Raimundo Benassuly Maués Júnior, insinuou que a jovem é que foi
responsável pelo episódio e que devia ter “alguma debilidade mental” por não
ter dito que era menor de idade. “Não sou médico legista nem tenho formação na
área, mas essa moça tem certamente algum problema, alguma debilidade mental.
Ela, em nenhum momento, declarou sua menoridade penal” – afirmou o gênio.
No dia 3 de outubro de 2013, leio na mídia que a juíza
Clarice Maria de Andrade Rocha, que atuava em Abaetetuba quando a adolescente
esteve presa, fora promovida, um dia antes, pelo Tribunal de Justiça do Pará, a
titular da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém. Segundo
portaria da desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, o critério para a
promoção de Clarice foi por merecimento.
Clarice Maria de Andrade foi considerada omissa pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante o período em que a jovem paraense
foi supliciada, e recebeu a punição de aposentadoria compulsória, em 2010. Mas
a Associação dos Magistrados do Pará (Amepa) recorreu da decisão e a
aposentadoria foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que
a punição foi exagerada, já que a magistrada não teria como saber da situação
da carceragem da delegacia de Abaetetuba.
O fato é que quando o caso estourou na mídia, em novembro de
2007, a então governadora do Pará, a petista Ana Júlia Carepa, tratou-o com
habitual alienação, e tudo mergulhou no esquecimento. Aliás, crianças são
emblemáticas na tragédia da Amazônia.
PEQUENO ROTEIRO DO
MAPA DA ESCRAVIDÃO SEXUAL – Em 27 de junho de 2006, publiquei na minha
antiga coluna Enfoque Amazônico, no
site brasiliense ABC Politiko, o
mapa da escravidão sexual infantil na Amazônia. Relendo o texto, vejo que essa
realidade continua como um nervo exposto. O tráfico de crianças para escravidão
sexual é um dos crimes mais repudiados pela sociedade, por sua feição abjeta,
mas é corriqueiro na Amazônia. Em 1979, fiz, para o antigo mensário Varadouro,
em Rio Branco, no extremo oeste da Hileia, uma reportagem sobre o tráfico de
meninas pela BR-364, espinha dorsal do Acre, ligando o estado ao resto do país.
Frequentei boates e bares, pontos de encontro de caminhoneiros, entrevistei
prostitutas e rodoviários, e bisbilhotei registros policiais, concluindo que
parte dessas meninas que sumiam em Rio Branco era atirada em prostíbulos de
Porto Velho, Manaus e Goiânia. Outras, simplesmente fugiam da miséria. Trinta e
cinco anos depois a situação piorou, e muito. A tragédia, que afeta toda a
Amazônia, foi ampliado em escala assustadora.
Foram identificadas 76 rotas de tráfico de mulheres,
crianças e adolescentes na Amazônia, segundo a Pesquisa sobre Tráfico de
Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins Sexuais, coordenada pelo Centro de
Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria) e pela
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual, do Congresso
Nacional, há seis anos atrás. A Interpol francesa calcula que a rede
internacional de tráfico de pessoas movimenta cerca de US$ 9 bilhões por ano.
Nesse comércio negro, assim como ocorre com políticos
corruptos, a imunidade, digo, impunidade, é garantida. O holandês Kunathi, um
dos maiores traficantes de pessoas, em atividade na Amazônia, já foi preso em
flagrante no Pará, mas a Justiça o soltou para responder ao processo em
liberdade. Não deu outra, Kunathi fugiu para o Suriname, antiga Guiana
Holandesa, onde é dono de boate na qual só trabalham brasileiras, muitas delas
do Pará e do Amapá.
Em 2006, adolescentes de Altamira, no Pará, que caíram nas
garras de uma quadrilha de exploração sexual e a denunciaram, foram ameaçadas
de morte se falassem na Justiça. A polícia paraense, despreparada, não pôde dar
segurança às vítimas e só conseguiu provas contra três dos 15 acusados. A ação
da quadrilha envolvia inclusive um político e empresários. “É uma rede complexa
de exploração sexual, com várias vítimas e vários adultos envolvidos; é preciso
que haja vontade política para que se chegue aos outros envolvidos” – disse, à
época, Ana Lins, advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
(SPDDH).
Em março daquele ano, a polícia de Altamira localizou várias
adolescentes, algumas dadas como desaparecidas por suas famílias, em uma
chácara, onde eram embebedadas e servidas em banquetes sexuais fotografados. As
fotos eram divulgadas na internet. As orgias ocorriam também em motéis da
cidade e em imóveis de um dos acusados, além de chácaras e balneários no
município, onde as bacanais duravam dias.
Ameaçadas de morte, vítimas e suas famílias, e testemunhas,
desdisseram nos depoimentos à Justiça as declarações prestadas no inquérito
policial. Uma das vítimas contou que foi ameaçada na porta da escola onde
estuda, e sua família recebeu bilhetes com ameaças de morte. A jornalista
Iolanda Lopes, que denunciou a quadrilha em várias reportagens, disse que
recebeu três telefonemas ameaçadores.
As adolescentes foram, ainda, humilhadas na Câmara de
Altamira, onde tiveram seus nomes divulgados durante sessão plenária. “A
vergonha, a humilhação, o sentimento de desesperança e a depressão são alguns
sintomas encontrados em várias das vítimas desse tipo de crime” – comentou a
advogada Ana Lins. “A revitimização é o calvário de ter que reviver os momentos
do crime ao ter que relatá-los várias vezes. Esse calvário vai desde não ser atendida
dignamente na delegacia, às vezes esperando horas e horas, até conseguir
registrar a ocorrência policial, a realização de exames periciais sem a devida
humanização do servidor responsável, até ver os algozes soltos livremente e
voltando a delinquir em alguns casos.”
Em janeiro de 2005, o Jornal Nacional, da TV Globo, publicou
uma série de reportagens intitulada Povos
das Águas, na qual focalizou o trânsito de balsas em Breves, na ilha do
Marajó, Pará. Nessas balsas, na cabine de carros, crianças marajoaras serviam
de repasto sexual durante o cruzamento do rio. De um modo geral, os municípios
marajoaras são miseráveis, apesar da natureza pujante da maior ilha
flúvio-marítima do mundo. O Marajó, uma das mais belas regiões do planeta, é do
tamanho da Suíça. A ilha é banhada pelos rios Amazonas, Pará e Tocantins, e
pelo Oceano Atlântico.
“Foi constatado no início da década de 1990 pelo jornalista
da Folha de São Paulo, Gilberto
Dimenstein, que no Vale do Jari haveria prostituição infantil em larga escala”
– comentou, em 2007, o governador (eleito) do Amapá, deputado estadual Camilo
Capiberibe. O rio Jari divide o Amapá do Pará desde a Serra do Tumucumaque, na
fronteira com o Suriname, até desaguar no rio Amazonas, no sul do Amapá. O
Beiradão, no município amapaense de Laranjal do Jari, é apenas uma das zonas de
“fronteira” na Amazônia, nas quais a escravidão sexual infantil é crime
banalizado e recorrente.
O comércio de crianças amapaenses e paraenses é intenso na
Guiana Francesa e no Suriname, ao norte do Amapá, principalmente em cidades
como Kourou, onde fica a base francesa de lançamento de satélites; o balneário
de Montjoly e Saint Laurent. Meninas e meninos amapaenses e paraenses são
bastante apreciados para bacanais, corrompidos por promessas de casamento com
franceses ou pela possibilidade de ir para a Europa, onde imaginam que possam
ganhar até 100 euros, cerca de R$ 400, por programa, escapando, assim, da
miséria.
Dos 200 mil habitantes da Guiana Francesa, 50 mil são
brasileiros ilegais, amapaenses em sua maioria, que fogem do Amapá, estado
assolado pela miséria social, roubalheira de colarinho branco, nepotismo,
corrupção endêmica e imigração insuportável, inclusive de gente importante,
como o senador maranhense Zé Sarney. A capital, Macapá, é reflexo do desleixo
administrativo. Cidade sem esgoto, cheia de ruas esburacadas, com fornecimento
precário de energia elétrica e água encanada, apesar de se situar na margem do
maior rio do mundo, o Amazonas, a cada dia fica mais inchada e violenta.
Próximo de Caiena, a capital da colônia francesa na
Amazônia, localiza-se a cidade amapaense de Oiapoque. A maior economia do
município é, aparentemente, sexo, pois a cidade é a porta de entrada para a
prostituição internacional na Amazônia Caribenha. Antes de as meninas seguirem
para as três Guianas, passam, geralmente, por um estágio em Oiapoque. Boates
locais são o internato que prepara meninas e meninos para o abate.
Assim, guianenses que atravessam o rio Oiapoque atraídos por
sexo são recebidos na cidade de braços abertos – inúmeros bares nos quais o
lenocínio prospera, de manhã à noite, açougues onde se pode comprar crianças
de, em média, 13 anos. No Amapá, cidades como Laranjal do Jari,
Tartarugalzinho, Calçoene e Santana, esta, na zona metropolitana de Macapá,
são, como Oiapoque, vitrines de carne infantil. O jornal O Liberal, de Belém, e o mais influente da Amazônia, contém, no seu
banco de dados, ene reportagens que confirmam o que eu estou dizendo, com
nomes, lugares e datas.
SEREIAS – Madrugada
de 16 de setembro de 2004, marina da Ponta Negra, Manaus, Amazonas. A bordo do
iate Amazonian, de 25 metros de
comprimento, 15 políticos e empresários de Brasília e de São Paulo aguardam um
carregamento para zarpar rio Negro acima, aparentemente para uma pescaria em
Barcelos, a 450 quilômetros da capital amazonense, em passeio organizado pelo
dentista paulista Flávio Talmelli. Era o terceiro ano que o alegre grupo de
políticos e empresários candangos-paulistas se reunia.
Finalmente o carregamento chega. São peixes servidos antes
mesmo da pescaria: 17 meninas, a maioria delas menor, aliciadas em casas
noturnas de Manaus. O programa de dois dias e duas noites renderia R$ 400 a
cada uma, fora gorjetas. As garotas foram conduzidas ao iate pela cafetina
Dilcilane de Albuquerque Amorim, conhecida como Dil, 33 anos, que ganharia R$
100 por garota.
Domingo 19. As meninas se dividiram em dois grupos para o
retorno a Manaus. O Amazonian, com os
políticos e empresários, seguiu rio Negro acima, com destino a um hotel na
selva. Doze meninas retornaram a Manaus. No fim do dia, as cinco meninas
restantes retornaram também, no barco Princesa
Laura. O barco naufragou naquele mesmo domingo, entre Manaus e Barcelos,
com 100 passageiros. Morreram 13 pessoas, entre as quais as cinco garotas que
participaram da orgia: Amanda Ferreira Silva, 20 anos; Marlene Cristina dos
Santos Reis, 19; Suzie Nogueira Araújo, 18; Taiane Barros, 17; Hingridy
Florêncio Viana, 16.
Dois dias antes do acidente, alguns pais queixaram-se à polícia
sobre o desaparecimento de suas filhas. Agentes da Delegacia Especializada de
Assistência e Proteção à Criança e ao Adolescente de Manaus (Deapca)
descobriram que as meninas mortas haviam participado de uma bacanal e eram as
mesmas que estavam sendo procuradas pelos pais. Depois, localizaram algumas
meninas que retornaram a Manaus, do Amazonian.
Descobriu-se, então, que três homens que estavam no Amazonian deixaram a embarcação em Barcelos e, dia 23 de setembro,
retornaram a Manaus, em avião da Apuí Táxi Aéreo.
Foi aí que identificaram o então presidente da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, deputado distrital Benício Tavares da Cunha
Melo, do PMDB, que adotou o nome Benício Mello (prenome e último sobrenome);
Randal Mendes (Sérgio Randal), cunhado de Benício Tavares e, então, chefe de
gabinete da presidência da Câmara Legislativa do DF; e o advogado brasiliense
Marco Antônio Attié.
Uma das menores ouvidas pela polícia disse que Benício
Tavares manteve relações sexuais com pelo menos duas menores, uma das quais
Taiane Barros, 17 anos, mãe de um bebê de sete meses, e que morreu afogada no Princesa Laura. Outra garota afirmou, em
depoimento à polícia, que manteve relações sexuais com Benício, que teria pago
R$ 500 a ela. Uma menor disse que Benício lhe ofereceu R$ 500 para manterem
relações sexuais, mas ela recusou. Seis das moças que estiveram a bordo do Amazonian garantem que Benício chegou a
pagar valores entre R$ 200 e R$ 1 mil para manterem relações sexuais com ele,
inclusive com as menores de idade.
Das 17 meninas contratadas para a bacanal, seis afirmaram,
em depoimento à delegada Maria das Graças Silva, titular da Delegacia
Especializada de Assistência e Proteção à Criança e ao Adolescente, que Benício
Tavares esteve no iate nos dias 17, 18 e 19 de setembro, e que manteve relações
sexuais com várias garotas, entre as quais pelo menos duas menores. A delegada
garante que coletou elementos suficientes para provar a participação de Benício
Tavares em turismo sexual. Maria das Graças Silva mostrou, dia 27 de setembro,
fotografias de Benício Tavares a três meninas que participaram da orgia. Elas
identificaram imediatamente o parlamentar, que é paraplégico.
Três meninas ouvidas pela polícia garantem que no iate
Amazonian havia bebida alcoólica e drogas, e que foram realizados desfiles de
garotas nuas e sorteio de brindes aos participantes. Em depoimento à polícia, a
cafetina Dil declarou que a bacanal foi contratada pelo dentista paulista
Flávio Talmelli. “Ele disse que o passeio seria muito divertido e que todas as
despesas, desde hospedagem a alimentação, seriam pagas por seus amigos. Somente
convidei algumas amigas” – defendeu-se Dil. As garotas disseram à polícia que
foram enganadas por Dil. O combinado é que receberiam R$ 400, mais gorjetas,
mas, a bordo, receberam somente R$ 200.
Em nota oficial, divulgada no dia 27 de setembro de 2004,
Benício Tavares confirmou a viagem a Manaus, de 16 a 22 de setembro, para
pescar no rio Negro, hobby até então insuspeito. Confirmou também o voo
Barcelos-Manaus. Negou relacionamentos sexuais com garotas menores de idade.
Para fazer a viagem turística, Benício se licenciou da Câmara, da qual era
presidente, por 10 dias, embora a casa estivesse votando uma pilha de matérias
e sua presença fosse importante. Foi confirmada também a presença, no iate, do
chefe de gabinete da presidência da Câmara, Randal Mendes, cunhado de Benício
Tavares, e do advogado brasiliense Marco Antônio Attié.
Em 2004, em Brasília, o plenário da Câmara Legislativa do
Distrito Federal fechou os olhos e arquivou processo contra o então deputado
Benício Tavares (PMDB), que respondia na Justiça por turismo sexual no estado
do Amazonas. Benício foi liberado por 14 votos favoráveis e 10 abstenções. Em
2007, o então governador de Brasília, José Roberto Arruda, deu a Benício
Tavares a Administração Regional de Ceilândia, o maior colégio eleitoral da
cidade-estado. O povo se revoltou, pois, além da acusação de corruptor de
menor, Benício Tavares era acusado de desvio de dinheiro. Arruda teve de tirá-lo
do cargo. Em 2009, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF (TJDF) instaurou
processo penal contra Benício, em ação movida pelo Ministério Público, e o absolveu.
Benício Tavares foi reeleito deputado distrital.
Em 2010, o governador José Roberto Arruda foi preso, acusado
de comandar um esquema de corrupção de dar inveja aos maiores ladrões do país. Em
novembro de 2011, Benício Tavares perdeu o mandato de distrital no exercício da
sexta legislatura, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que
considerou, por unanimidade, que o deputado coagiu eleitores e praticou abuso
de poder econômico. Este ano, Benício Tavares candidatou-se a deputado
distrital, mas não foi eleito.
Como se vê, Brasília não vai à Amazônia apenas por energia
hidrelétrica; minerais, principalmente ouro e ferro; e madeira. Quem sabe, por
falta de água no rio São Francisco (ou pela grana que isso renderia), não
queiram transpor o Amazonas!
A mentalidade de colonizado, predominante nos amazônidas, o
calor, a nudez e a corrupção crônica na ex-colônia portuguesa e agora
americana, inglesa, brasiliense, paulistana etc., determinaram a perpetuação na
Hileia de uma das nódoas mais negras da humanidade: a escravidão sexual de
crianças. Em abril passado, escrevendo como correspondente do Portal do Holanda, de Manaus, noticiei
que o prefeito Adail Pinheiro (PRP), de Coari (AM), cidade às margens do rio
Solimões, a 370 quilômetros de Manaus, e onde se localiza a plataforma da
Petrobrás de Urucu para extração de petróleo e gás, se entregou à polícia,
levado pelo advogado Alberto Simonnette para a Delegacia Geral, no bairro Dom
Pedro, Zona Oeste de Manaus, onde foi formalizada a prisão. Horas antes, garantiu
direito à prisão especial, por causa do risco de morte que correria se fosse conduzido
para um presídio comum. Foi encaminhado ao Comando de Policiamento de Área
(CPA), também na Zona Centro-Oeste.
Cinco assessores seus também foram presos, em Coari, entre
os quais o chefe de gabinete da prefeitura, Eduardo Jorge de Oliveira Alves, e o
secretário de Terras e Habitação, Francisco Orimar Torres de Oliveira, além de Alzenir
Maia Cordeiro, Anselmo do Nascimento Santos e Elias do Nascimento Santos.
Adail era investigado desde 2007 e acusado na Justiça, com
fartas provas, de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. O Fantástico, da Rede Globo, fez
reiteradas denúncias contra ele, apresentando provas robustas de que comandava
uma rede de prostituição de menores. A Polícia Federal começou a investigar
Adail em 2006, por outro motivo: indícios de desvio de recursos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No decurso da investigação, as
denúncias de pedofilia começaram a aparecer em escutas telefônicas
judicialmente autorizadas. As investigações culminaram na Operação Vorax, em
2008, e em 2009 o prefeito foi preso, como neste ano. Adail Pinheiro permanecerá
solto como Benício Tavares, babando, impunemente, sobre as cunhantãs?