sábado, 30 de janeiro de 2016

O caminho do tao



Mulheres grávidas em vestidos amplos são combustíveis para o meu voo, de modo que a gravidez da Josiane, minha esposa, que deu à luz Iasmim, nossa princesinha, foi vertiginosa. Desde a concepção, aquela onda azul começou a vibrar no triângulo equilátero que, desde então, formamos. Nossa comunicação física teve início assim que a barriga da Josiane começou a crescer; eu podia sentir a presença da Iasmim, e quando o ventre ficou realmente grande, bastava que me aproximasse para a pele ficar saliente; era a princesinha tentando tocar minhas mãos, meu rosto, e quando me deitava de costa para o colo da Josiane, a princesinha me abraçava. Às vezes, Josiane lia para nós, orava, dizia eu te amo, bebê, e afagava o ventre.

Quando vi minha princesinha pela primeira vez, seus olhos como duas luzes me abarcando, chorei perfume, como choram os jasmineiros da Amazônia, nas noites de julho. Começava, aí, nova preparação do caminho. As flores são indestrutíveis na sua eternidade porque Deus arruma todas as suas manhãs, tardes e noites, Pessoalmente, e assim Arrumou o jardim para a princesinha, onde eu lia, para ela, todas as joias escritas, e, dia após dia, ofertei-lhe os tesouros mais preciosos do Universo, diamantes rosas e rubis azuis que eu ia buscar na parte imersa do meu iceberg. Também Josiane, por seu turno, dava-lhe todas as riquezas que extraía da sua própria vida.

Ainda garotinha, Iasmim é quem escolhia suas roupas; apenas a direcionávamos quando, por exemplo, ela escolhia um vestido quente no verão, e explicávamos por quê. E se tornou leitora voraz, escreveu contos, pintou óleos sobre tela e manifestou a vontade de fazer o curso de moda, mas ao concluir o nível médio optou por turismo, apenas para perceber, claramente, que seu negócio é moda, mesmo, e fazer a correção do caminho.

Assim é a própria vida. Pessoas são condenadas a vender-se porque seus pais as querem advogados, médicos ou físicos, quando seu talento é para santo, poeta, palhaço, ou acupunturista. Outra maneira de matar os filhos, ou qualquer pessoa, é arrogar-se a viver a vida alheia. Zumbis são isto: mortos vivos, a manada, o rebanho, o rótulo, o apego, a ilusão.

Masaharu Taniguchi disse que o mundo físico é apenas criação da mente; o segredo para entendermos isso está no iceberg da vida. Como bem observou o criador de O Velho e o Mar, Ernest Hemingway, o iceberg flutua com tanta elegância porque sete oitavos ficam submersos e somente um oitavo aparece fora d’água, o equivalente ao mundo físico, limitado pelo espaço e pelo tempo. Os sete oitavos dentro da água podem ser identificados como realidades múltiplas, universos multidimensionais, ou qualquer outra coisa que se aproxime do que rotulamos de realidade. E o que é realidade? Matéria? Poesia? Sonho?

Gosto de pensar que realidade são os caminhos do triângulo, o éter, o vácuo, o nada, algo que apenas flui, e que sou leão de asas mergulhando no abismo azul, misterioso como mulher nua.

A vida é agora! Como sempre, sinto no ar o perfume das virgens ruivas e na boca o sabor de Dom Pérignon, safra de 1954, pronto para subir ao ringue.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A tarde contém o mar

O novo ano começa para valer quando as ruas ficam floridas de estudantes, o trânsito mais lento e o ar enfumaçado. Então Brasília rescende a café expresso, paletó e gravada, e shopping. Em casa, preparo meu café Três Corações, gourmet, às 5 horas da manhã, ao som da madrugada e embalado pela boa sensação de saber que os meus dormem e, quem sabe, sonhem com rosas.

Sou viajor diário, ora mergulhado na dimensão literária, ora curtindo a cidade com os sentidos da alma. As possibilidades são muitas. Uma das caminhadas que mais me dá prazer é atravessar o Setor Comercial Sul a partir do Venâncio 2.000, onde paro em um café, enquanto aprecio as mulheres que transitam em torno de mim, como vitrines oníricas; e atravesso o Pátio Brasil, com suas incontáveis possibilidades nos corredores.

Cruzo a Avenida W3 e mergulho no labirinto do Setor Comercial Sul, prenhe de lindas mulheres, em um passa, passa que só cessa à noite. Escolho, quase sempre, o mesmo caminho. Gosto de determinada rua, onde fica um endereço que utilizo no meu romance A CONFRARIA CABANAGEM. Ao passar defronte dele, revejo uma personagem, e sigo.

É sempre prazeroso cruzar o Conic, um conjunto de edifícios também conhecido como Setor de Diversões Sul. Ao projetar Brasília, Lúcio Costa a fez assim, setorizada. Atravesso o Conic respirando o ar novo da manhã, em meio a um mundo de mulheres que voam em todas as direções, voo misterioso, pois a beleza jamais é plenamente decifrada.

Chego ao Conjunto Nacional, onde as possibilidades são infinitas, ainda mais quando o ano começa verdadeiramente. Percorro as livrarias. Numa delas, Leitura, sinto o prazer de ver um livro meu, O CASULO EXPOSTO, na prateleira. Almoço no restaurante Viva Brasília.

A tarde chega como o pulsar da música de Mozart, trazendo perfume e cheiro de maresia. A tarde contém o mar. Assim, navego a tarde a bordo de um transatlântico.